Ninguém é inocente...
Como resumir numa frase o fim do casamento entre Jesus e o Benfica? SAD e treinador esticaram a corda, jogadores partiram-na
JÁ se passaram uns dias, entretanto até mudámos de ano, mas a conturbada saída de Jorge Jesus continua a ser o tema central das discussões. Nem podia ser de outra forma, tendo em conta não só a dimensão do Benfica e do próprio Jesus mas também a forma como o divórcio se consumou. Amigável, até selada com o abraço entre presidente e naquela altura já ex-treinador: o Benfica paga os salários até Jorge Jesus encontrar novo clube, Jorge Jesus abdica dos 7,5 milhões de euros a que teria direito fruto de uma cláusula (que ainda ninguém conseguiu explicar muito bem...) constante no contrato que assinou com Luís Filipe Vieira. Burocracias tratadas sem grande alarido, portanto. Mas, como muitos de nós sabemos, um divórcio amigável no papel nem sempre é um divórcio amigável naquilo que nenhum acordo consegue medir: os sentimentos. Nesse capítulo, no caso concreto do divórcio entre Benfica e Jorge Jesus, muito ficou por dizer. E, até, por saber.
Como em todos os divórcios, há sempre culpados. Quase sempre mais do que um, até. Neste caso concreto, o do fim do casamento entre águias e Jesus, há quem culpe Rui Costa, há quem culpe Jorge Jesus e há quem culpe os jogadores. E se calhar todos têm razão. Porque a melhor forma de colocarmos as coisas, olhando para os acontecimentos já com alguma distância, é dizer que, no divórcio entre o Benfica e Jorge Jesus, não há inocentes. A melhor forma que encontro para resumir aquilo que aconteceu durante as últimas semanas é esta: SAD e Jorge Jesus esticaram a corda até onde conseguiram e os jogadores partiram-na. E quando as coisas se resolvem assim, cada um é livre de escolher o lado (é humano, todos temos sempre de escolher um lado...) e decidir quem é, na sua ótica, o maior culpado, com base naquilo que lê, naquilo que ouve e em simpatias a que nenhum de nós consegue fugir.
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ESCREVI há uma semana, depois da derrota no Estádio do Dragão que afastou o Benfica da Taça de Portugal e depois de se saber que, após conversa com Jorge Jesus, Rui Costa decidira manter o treinador pelo menos até ao confronto com o FC Porto para o campeonato, que a primeira coisa que Rui Costa e Jorge Jesus tinham de perceber era se desejavam, no fundo, manter o contrato que os ligava. Porque os sinais, em público e em privado, que ambas as partes passavam para o exterior é que sabiam que a relação tinha os dias contados. Era, apenas, uma questão de saber quem dava o passo definitivo para lhe colocar um ponto final.
Do lado da SAD nunca houve - tem razão Jorge Jesus nesse capítulo em particular - uma defesa efetiva do treinador: nem nos casos que, sem nunca serem desmentidos ou explicados, foram dando conta de um afastamento entre Jesus e alguns dos elementos mais influentes no balneário; nem nas críticas de que o treinador era alvo, por benfiquistas mais ou menos conhecidos; nem nas notícias que davam conta de um crescente mal-estar entre Jesus e elementos mais ou menos importantes na estrutura (e não só na de futebol, mas também diretiva) do clube da Luz. E o silêncio, em especial o silêncio face a episódios que desgastavam a imagem do treinador, nunca é bom sinal.
Do lado de Jesus nunca houve, em especial nas semanas que se seguiram às notícias que davam conta da viagem dos dirigentes do Flamengo para Portugal com a intenção de o convencerem a voltar ao Rio de Janeiro, uma mensagem de verdadeiro compromisso com o Benfica. Desde a reunião, tornada pública, com o empresário Bruno Macedo, passando pelo encontro (autorizado pelo Benfica, noutro sinal de que a relação não estava lá muito bem...) com Marcos Braz e Bruno Spindel a poucos dias do jogo com o FC Porto, até às declarações dúbias a órgãos de comunicação brasileiros, ou jornalistas amigos no Brasil, como preferirem, que foram até, pasme-se, os primeiros, logo cedo (ainda noite do outro lado do Atlântico...) na manhã da rescisão do contrato com o Benfica, a citar o treinador encarnado: «Coloquei o lugar à disposição. Estou de saída» - e isso quer, por si só, dizer alguma coisa sobre a forma como Jesus, por muito que dissesse que não, olhava para a hipótese de voltar ao Brasil, para o Flamengo ou para outro clube qualquer.
Chegamos, por fim, aos jogadores, que acabaram por precipitar (e se calhar por uns dias apenas, porque tudo apontava para que o divórcio fosse efetivado depois do segundo jogo no Estádio do Dragão, qualquer que fosse o resultado) o desfecho que hoje se conhece. Todos sabemos de casos, uns assumidos de forma pública uns anos depois, outros para sempre guardados no segredo dos deuses, em que balneários despediram treinadores. Mas não é, convenhamos, normal (ou pelo menos não é normal que isso se saiba, porque não me lembro de nenhum caso semelhante) que um treinador deixe um clube depois de os jogadores se recusarem a treinar em solidariedade com um companheiro que seria afastado do grupo.
Ninguém sabe (e se calhar nunca ninguém saberá ao certo) o que de tão grave foi dito, por Pizzi, pelo treinador e por aqueles que se recusaram a treinar, para motivar posição tão extremada. Mas o que sabemos, ou se não sabemos podemos ter como quase certo, é ser impossível que as coisas tenham chegado àquele ponto apenas pelo que Pizzi terá dito depois da derrota no Estádio do Dragão ou pelo que Jorge Jesus disse a Pizzi antes do primeiro treino que se seguiu ao afastamento da Taça de Portugal. Tem de haver (muito) mais do que isso.
No fundo, a rebelião mostrou que Jesus já não tinha o balneário na mão, e disso não se pode apenas assacar responsabilidade aos jogadores, não quando se conhece a forma de trabalhar de Jesus e a forma como sempre lidou com os jogadores. E quando um treinador não tem o balneário na mão, todos temos experiência mais do que suficiente para saber que não tem grande futuro. E muito menos futuro tem quando os jogadores sabem - porque leem jornais e veem televisão e sabem ler os sinais - que quem manda não está assim tão empenhado em manter um treinador.
NÃO devia acontecer, não é normal acontecer, mas aconteceu no Benfica: foram os jogadores a partir uma corda que já estava esticada ao limite. E acabaram, se calhar, por fazer um favor a Rui Costa e Jorge Jesus, que ficaram, cada um pelas suas razões, obrigados a darem o passou que colocou um ponto final numa relação que estava, também ela, esticada ao máximo.
No fim de tudo, e escolha-se o lado que se escolher, há três coisas que tenho como certas: nem Rui Costa é um mau presidente, embora deva aprender alguma coisa com a forma como lidou com a situação; nem Jorge Jesus passa a ser mau treinador por não ter rendido no Benfica aquilo que dele se esperava neste regresso; nem os jogadores passam a ser um bando de malfeitores que deviam ser todos despedidos. Foi, apenas, um processo muito mal conduzido por todas as partes. E, como em todos os divórcios, a melhor forma de resolvê-los é assumir responsabilidades, deixar de procurar culpados e seguir em frente.