Nem com frio, nem de chinelos
A equipa treinada por Armando Evangelista tem forte personalidade. Apenas um Benfica na sua melhor versão reunirá condições para sair vitorioso de Arouca
C OMEÇOU a segunda etapa da longa corrida que é o Campeonato Nacional, agora Primeira Liga Bwin, sinal de novos tempos, estando o Benfica na frente do pelotão com uma vantagem de quatro pontos que nenhum sossego lhe dá, porém. Mais avisado será admitir que volta a partir do zero, em igualdade com todos os outros. É mais sensato pensar assim e manter em níveis elevados uma cultura de exigência que nem sempre foi tratada com a devida consideração nos jogos já realizados, nomeadamente no regresso à competição interna após o Mundial do Catar, período em que a águia não levantou voo em Braga e voou baixinho no dérbi da Luz. Há dias maus, ou menos bons, para os mais tolerantes. Pois há, e é precisamente devido a esses dias que, além de se perderem jogos e títulos, se empenha o presente e se adia o futuro.
É apenas um reparo, nem tanto devido àqueles dois exemplos, mas pelo que se observou na noite da última quinta-feira, em Paços de Ferreira, jogo antecipado das 20.ª jornada, em que, não tendo estado em causa o merecimento pela vitória, houve razões iniludíveis para se questionar o grau de compromisso, provocando nos adeptos que acorreram em massa à Mata Real uma correnteza de arrepios que teriam dispensado para melhor resistirem à rudeza das temperaturas.
Estava muito frio, pois estava, mas foi um risco inaceitável os jogadores entrarem de chuteiras, exibirem 15 minutos de qualidade, marcarem dois golos e depois calçarem chinelos, como ironizou o jornalista Nélson Feiteirona na sua crónica da passada sexta-feira (pág. 4), no jornal A BOLA. Levianamente, partiram do princípio que o trabalho estaria pronto, quando ainda havia muito por fazer. O Paços cresceu, acertou três vezes nos postes e um jogo que se previa mais uma prova de força do líder que quer ser campeão transformou-se em longos minutos de angústia face à possibilidade de os pacenses marcarem um golo e, sabe-se lá, virarem o resultado.
R OGER Schmidt teve a perfeita noção das dificuldades que a sua equipa enfrentou. É o futebol, como gosta de dizer. Às vezes os jogos ficam difíceis por culpa própria. É verdade que o Benfica complicou o que parecia simples, até com promessas de goleada, mas ficou a lição que muito útil lhe será para o jogo desta noite, porque o Arouca não é o Paços de Ferreira. A equipa treinada por Armando Evangelista tem forte personalidade, além de praticar bom futebol em todo o campo, como a classificação revela e a recente participação na meia-final da Taça da Liga, frente ao Sporting , confirmou.
Logo à noite, apenas um Benfica na sua melhor versão reunirá condições para sair vitorioso de Arouca, entendendo-se por melhor versão uma equipa formada por jogadores sem medo, sem frio e… sem chinelos. Jogadores de coragem e preparados para noventa minutos de grande intensidade competitiva.
Daqui em diante, já em contagem decrescente, todas as jornadas são importantes, mas esta, e as que se lhe seguem mais ainda para as pretensões da águia, dado haver condições favoráveis para ampliar a vantagem pontual, desde que seja competente nos seus jogos e os vença. Tem essa obrigação, pois no Sporting-SC Braga de amanhã e no Sporting-FC Porto daqui a duas jornadas alguém vai perder pontos, de certeza…
O treinador alemão começou a fazer substituições, cinco com o Santa Clara e quatro com o P. Ferreira, em contraposição ao que sucedera frente ao Sporting, apenas duas e dessas uma talvez explicada por alguma dor, a de Rafa por Chiquinho aos 93 minutos.
Afinal a que se terá devido esta súbita e evidente mudança de atitude perante o jogo? Melhorar o rendimento coletivo é o objetivo que preside a qualquer alteração, mas Schmidt sabia, todos sabíamos, que essa pretensão, na esmagadora maioria da vezes, estava condenada ao insucesso, por míngua de alternativas credíveis no banco de suplentes. Ele abordou a questão com a prudência que se aconselhava quando declarou, mais ou menos, que uma equipa não faz um plantel.
O problema estava identificado, um grande problema, sem dúvida, que começou a ser resolvido. Primeiro foi preciso arrumar a casa, libertando-a do excesso de vulgaridades e criar espaço para uma política de contratações mais seletiva, com o acento tónico na qualidade individual.
Foi uma bênção o regresso de Gonçalo Guedes, pela riqueza de soluções que veio acrescentar. É imensa a curiosidade suscitada pelas contratações do dinamarquês Casper Tengstedt e do norueguês Andreas Schjelderup. Podem ter nomes esquisitos, mas são jovens de ataque, oriundos de mercados dos quais a águia guarda boas recordações e precisam ser rapidamente integrados, quer joguem ou não. É importante que os adeptos os identifiquem, os aplaudam, os recebam na grande família benfiquista. É este o espírito que Rui Costa está a recuperar e é por isso que o jogo de hoje, em Arouca, se reveste de especial importância.