Não, Jéssica, não vou esquecer

OPINIÃO11.08.202306:30

«É mais fácil dar a vida por uma mulher do que viver com ela toda a vida» - Lord Byron

NENHUMA frase me inquietou tanto no rescaldo do Mundial feminino de futebol quanto a declaração de Jéssica Silva após o empate da seleção portuguesa com os Estados Unidos, resultado insuficiente para evitar a eliminação na fase de grupos: «Agora, não se esqueçam de nós». Apelo das Navegadoras, por mares nunca dantes navegados, amplificado por uma cortina de lágrimas que me remete a Fernando Pessoa: «Ó mar salgado, quanto do teu sal são lágrimas de Portugal!»

Em boa verdade, nem sei se foi um apelo se uma premonição da Jéssica Silva. Ela é jovem, mas sabe que pode ser dura a ancoragem ao cais da realidade. Ela sabe que as verdadeiras convicções não se testam debaixo de holofotes, mas nos pequenos gestos diários.

Evoco Lord Byron, poeta inglês (1788-1824): «É mais fácil dar a vida por uma mulher do que viver com ela toda a vida».

Atenção: a quem possa ler uma crítica irónica ao feitio das mulheres, eu leio uma acusação à falta de consistência dos homens. É que é mesmo mais fácil ser um grande herói uma vez, dando a própria vida, do que estar verdadeiramente ao lado de uma pessoa em todas as horas, todos os momentos, todas as situações diárias. Por isso, para mim sempre foi claro que os meus ídolos não se destacam por atos heroicos isolados. Os meus ídolos destacam-se pelas pequenas boas ações de todos os dias, quando não está lá ninguém para bater palmas, para encorajar.

Não Jéssica, não me vou esquecer de vós. Não por serem mulheres, mas por terem levado, orgulhosas, Portugal no peito; por serem apaixonadas por futebol; por me oferecerem espetáculos de qualidade; por quase terem arrancado as barbas ao Adamastor Estados Unidos, campeão do Mundo; por, não se podendo exigir mais do que deram, terem deixado o Mundial tristes, mas com fogo nos olhos, com urgência de regresso para concluírem a obra cujos alicerces vocês prepararam: o Cabo da Boa Esperança.

Aceitem, em troca, um conselho: cuidado com o paternalismo dos homens. Vocês não são uma coisa engraçada, uma moda, tipo «que giro, as meninas até sabem jogar futebol». E nunca agradeçam nada que vos seja dado em termos de condições de trabalho, mediatismo, reconhecimento e oportunidades. Tudo o que vos for dado não é um presente. É uma devolução.

Não Jéssica, não me vou esquecer de vós. Não por serem mulheres. Mas por serem um bom exemplo. A paixão, o orgulho, a dedicação, o compromisso, a ousadia e o talento não têm género.