Não gostei de ver

OPINIÃO28.12.202106:00

No clássico FC Porto-Benfica houve ali instantes que deram vergonha alheia

Oúltimo clássico teve a intensidade, a emoção e a dureza que se esperava. O futebol de alta competição deve ser sempre assim, jogado no limite, com espetacularidade e entusiasmo. Mas hoje em dia jogadores, treinadores, árbitros e elementos dos bancos técnicos carregam sobre si outra responsabilidade, eu diria maior, bem maior do que aquela que cumprem em campo: a da imagem que projetam para o exterior.
Há muito que o jogo de futebol deixou de ser acompanhado pelos fiéis que, à chuva ou ao sol, pagam bilhete para o ver ao vivo e a cores. As televisões, motores financeiros indispensáveis para a sobrevivência dos clubes, ditam regras e essas, num plano ético, nem sempre são cumpridas.

Não sei se sabem, mas o último FC Porto-SL Benfica foi visto, em Portugal, por quase 2 milhões de pessoas. Estamos a falar de perto de 20% da população total do país. O clássico conquistou uma audiência média de 20,2% e um share de 39,9%. No Brasil, o jogo foi o mais visto do universo dos canais premium (pagos). Em Inglaterra, França, Suíça, Venezuela, África do Sul, Estados Unidos... quem sabe?
No meio dos muitos milhões de almas que assistiram ao clássico, estavam crianças, adolescentes e jovens em idade de influências, que têm em todos aqueles protagonistas as suas maiores referências. Seguem-lhes as pisadas, imitam-lhes os gestos e trejeitos. Querem ser como eles: bons a fintar, craques a marcar, enormes a defender. Querem treinar como eles treinam e ser famosos como eles são.

Mas, mesmo que não saibam, não querem ser fracos no exemplo. O jogo do passado dia 23 ofereceu-nos alguns momentos feios, de excessos, conflitos e condutas que foram bem além do que se esperava num espetáculo daquela grandeza. Poucos quiseram ajudar para que tudo corresse bem e essa é a verdade.
A frustração pontual ou as reações momentâneas, mais agressivas ou desinspiradas, são compreensíveis e até certo ponto, aceitáveis. Percebem-se. Toleram-se no contexto. Mas caramba, houve ali instantes que deram vergonha alheia: provocação sistemática do adversário, simulação de lesões, quedas teatralizadas, gente aos saltos cá fora, numa histeria infantil, desajustada, injustificada. Mas para quê? A quem serve? O que acrescenta? O que muda?

É bom que tenhamos consciência: quem está em campo não está a trabalhar para si mesmo. Não está a desfilar à frente do espelho, sozinho. Está a trabalhar na atividade que escolheu, em nome de uma instituição e no âmbito de uma atividade que tem valores que devem ser respeitados. O desporto é uma escola de referências, que mexe com a mente, a alma e a qualidade humana de muita, muita gente.
Não estamos a falar de um jogo de bola no quintal, onde meia dúzia de palavrões e empurrões são vistos apenas pelos vizinhos. Estamos a falar de um espetáculo que é escrutinado à escala global. Por muitos miúdos, de muitas idades e origens.
Sintam por favor essa responsabilidade. No próximo dia 30, mais do que os atores, sejam também os professores, os mentores e os ídolos que eles precisam. Não sejam apenas transpiração. Sejam inspiração.

Nota final: este é o meu último artigo do ano. Desejo-vos boas entradas e um 2022 bem diferente, para melhor. Todos merecemos.