Não digam que é normal

OPINIÃO12.04.202107:00

A paixão exacerbada, podendo ajudar a perceber alguns comportamentos, não pode, nunca, servir para banalizá-los

PARECE que, ao invés de melhorar, o comportamento dos treinadores portugueses no banco tem tendência a piorar. É estranho, porque devia ser ao contrário. Ou talvez não seja tão estranho assim, se tivermos em conta os regulamentos que, pensando bem, até convidam ao sucessivo mau comportamento. Sim, é verdade que chegados aos momentos mais quentes da época a pressão fica, também ela, ao rubro. E, claro, isso reflete-se na forma como jogadores e treinadores vivem o jogo. Mas não pode a paixão exacerbada servir como explicação para tudo. Ou melhor: podendo justificar algumas das coisas a que temos assistido, com o que parece ser uma cada vez maior frequência, nos jogos da nossa liga, não deve - não pode - servir como desculpa para encolhermos os ombros e dizer que é normal. Porque não é. Nem pode ser, logicamente.
O comportamento de Miguel Cardoso, treinador do Rio Ave, no Estádio do Bessa, depois do terceiro golo do empate entre vila-condenses e Boavista, é inadmissível - como inadmissível tinha sido o comportamento de Paulo Sérgio e Sérgio Conceição no tristemente célebre Portimonense-FC Porto. Pode Miguel Cardoso pedir desculpas depois, pode até ter atenuantes para o que fez, porque no calor do jogo, diga-se em abono da verdade, não há santos. Mas um treinador com tanta experiência tem de saber que não pode ser (como inevitavelmente seria) apanhado a fazer os gestos que fez para o banco do Boavista. É a sua imagem que está em causa. É a imagem do Rio Ave que está em causa. E é, em última análise, a imagem do futebol português que fica, mais uma vez, em xeque. Sim, somos um povo que vive o futebol de forma apaixonada. Mas não temos de ser, propriamente, um povo de arruaceiros a ver e a viver o futebol. E é essa a imagem que teimamos, cada vez mais, em passar para o exterior. É, além de tudo o resto, muito triste.
Repito: sendo, mesmo que com algum esforço, capaz de perceber (e até, com um pouco mais de esforço, desculpar) os excessos que semanalmente se cometem nos bancos dos jogos da Liga, não concordo com a banalização desse tipo de comportamentos. E a única forma de combatê-los é puni-los de forma séria. Aumentando as multas, para começar, mas também aplicando suspensões efetivas aos treinadores que sejam expulsos, como acontece com os jogadores, que nunca têm (e bem) o calor do jogo como atenuante para comportamentos antidesportivos. Se são expulsos são castigados. O mesmo tem de acontecer, de uma vez por todas, com treinadores e dirigentes. Enquanto não se der esse passo, enquanto encolhermos os ombros, estaremos a ser cúmplices na péssima ideia que se passa para os mais jovens, treinadores e jogadores, de que tudo é normal, de que tudo é justificável. Estaremos a contribuir, por exemplo, para casos inenarráveis como o que aconteceu no Estoril-Leixões que decidiu o campeão da Liga Revelação: cenas dignas da América do Sul, jogadores de cabeça perdida, picados por um treinador que, lá está, acha que é normal fazer e dizer tudo o que lhe vem à cabeça. Não é. Não pode ser. A FPF - Fernando Gomes, imagine-se, estava na bancada e assistiu a tudo... - teve mão pesada e terá, provavelmente, ainda mais. Mas é preciso que na Liga se olhe também para a necessidade de punir a sério. Sem desculpas. Porque, lembremo-nos sempre disso, o exemplo vem de cima. E o nosso campeonato principal está, convenhamos, cheio de maus exemplos...

LAMENTÁVEIS, também, as declarações de Jorge Jesus sobre Stephen Eustáquio. O que fará o treinador do Benfica se um jogador da sua equipa for, daqui a uma ou duas ou três semanas, expulso nas mesmas circunstâncias? Multa-o? Despede-o? Incríveis, às vezes, as coisas que se dizem. Bem melhor estiveram, sem dúvida, Pepa e o próprio Stephen Eustáquio, assumindo a justeza da expulsão, treinador e jogador, que fez mesmo questão de pedir, ontem, desculpa a Weigl. Mas, lá está, será (e bem, apesar do arrependimento) castigado. E terá, de certeza, mais cuidado da próxima vez. Percebe as diferenças?