Não abusem!

OPINIÃO28.01.202205:30

O Sporting não pode esperar que Coates faça um milagre, e o Benfica não pode esperar que Paulo Bernardo tenha o impacto de João Félix

R ÚBEN AMORIM é, realmente, um treinador na moda no nosso País. Com muito mérito, evidentemente. Levou o Sporting ao título de campeão ao cabo de 19 anos e isso já ninguém lhe tira. O crédito é tanto que, ainda hoje, quando ganha é ele que prepara bem a equipa e quando perde são os jogadores que falham. Chama-se estado de graça!
Rúben Amorim é bom, disso já ninguém tem dúvidas. Mas ninguém é tão bom que não falhe. Falha Amorim e falham todos os grandes treinadores. Falham menos e por isso são fantásticos e ganham mais vezes. Mas falham. Como, creio, Rúben falhou na derrota do Sporting, em casa, com o Braga.
Ninguém falha, evidentemente, por querer. E será sempre mais fácil quem analisa, como eu, criticar depois do treinador decidir e perder. Mas é o que é. Não se pode falar de um jogo que não é jogado; só falamos do que se observa.
E com o Braga, a decisão de Rúben Amorim mandar Sebastien Coates para ponta-de-lança não apenas não ajudou a tapar a cabeça como destapou, decisivamente, os pés.
É muito fácil acusar um jogador de cometer o chamado erro individual. Mas há erros e erros e há erros que surgem num contexto de estratégia coletiva.
Sim, visto agora, Gonçalo Inácio devia ter colocado a bola fora para não arriscar pô-la, como pôs, nos pés de um adversário. Mas tivesse a equipa defensivamente organizada e com Coates e talvez a consequência do lance não tivesse sido a que foi. E a culpa disso não é do jovem Inácio, é do treinador.
Acresce que a ideia de mandar Coates lá para a frente resultou, sim, na larga maioria das vezes, nos lances de bola parada. E não como medida avulsa. No campeonato do título, o grande (e literalmente grande) central uruguaio fez cinco golos, mas só um deles resultou da desesperada decisão de o colocar a ponta-de-lança. Foi com o Santa Clara, em casa, quando o resultado estava em 1-1 e, a segundos do final (mesmo a segundos do final!!!), Coates foi por ali fora à espera de conseguir um milagre, que acabou mesmo por conseguir, após um cruzamento de João Mário, da direita, com um fulgurante remate de cabeça a fazer o golo da vitória.
De resto, todos os restantes quatro golos de Coates no campeonato 20/21 surgiram porque Coates estava no ataque na sequência de lances de bola parada. E Coates estar no ataque nas bolas paradas faz, evidentemente todo o sentido. Ou, no máximo, em desespero de causa, nos instantes finais de uma partida.
O que sucedeu com o Braga foi um pouco diferente, porque Rúben Amorim decidiu colocar Coates no ataque julgo que a dez minutos do final. Não deu resultado porque não dará sempre resultado; pior foi o estrago que deixou na defesa, tão bem aproveitado pelo Braga.
Pela possível saída, ontem tão comentada, de Tiago Tomás para o futebol alemão, percebe-se melhor porque preferiu Amorim apostar em Coates no ataque do que no jovem avançado leonino, que não saiu do banco na derrota com os bracarenses. E também melhor se percebe agora porque pode chegar,de novo, Slimani. Um pouco mais incompreensível, porém, pareceu a não utilização de Daniel Bragança nem mesmo na parte final do jogo com o Braga quando, a meu ver, o jogo pedia exatamente a visão e a qualidade de passe deste outro jovem leão, já para não referir que Bragança tinha sido, apenas, o melhor sportinguista no jogo anterior, em Vizela, e nem essa confiança, estímulo e inspiração demoveram Amorim.

E SCREVI há tempos que Rúben Amorim me parece, na verdade, o novo José Mourinho do futebol português, tal o impacto e o sucesso nacional que conseguiu num clube derrotado como era o Sporting, em muito comum com o impacto que Mourinho logo começou por ter naquele FC Porto de início de século.
Amorim ainda não espantou a Europa, mas ou muito nos enganamos ou lá chegará. Não está nada mal para quem dá ainda os primeiros passos na Liga dos Campeões, aliás, e pelo modo como trabalhou a equipa do Sporting para chegar à vitória no último campeonato não engana ninguém. É craque! E mesmo tendo em conta a importância dos contextos (o que resulta aqui, não resulta ali, como acontece com tanto jogador), dificilmente Amorim não terá sucesso noutras paragens.
Como Mourinho, também Amorim tem o que gostamos de ver num treinador moderno, que é a capacidade de comunicar e a inteligência e esperteza com que comunica. Amorim - como vimos em Mourinho - também fala com a mesma simplicidade, clareza e objetividade com que a equipa joga. E, às tantas, uma coisa estará ligada à outra.
O treinador é claro e eficaz a transmitir a mensagem, e os jogadores recebem-na na mesma moeda. Como parece tudo tão simples, simples parece tornar-se tudo em campo. É a força das palavras a consolidar a força e qualidade do trabalho. A equipa ganha coesão, a coesão dá-lhe unidade e espírito, a unidade e o espírito parecem dar-lhe ainda mais energia e a energia faz com a equipa esteja sempre mais perto de vencer.
Como sempre, porém, convém não abusar da sorte. Nem de um qualquer milagre. De Coates ou de outro qualquer!
 

 

NÃO deixa de ser curioso que, para muitos dos analistas da nossa praça, agora que já não há Jorge Jesus no Benfica, a responsabilidade pelo fraco desempenho da equipa é, afinal, dos jogadores. Mas os jogadores sempre foram estes. O que significa que, sendo a responsabilidade dos bons ou maus desempenhos do treinador, sempre foi, também, dos jogadores.
Independentemente do modelo de jogo, do sistema em que se joga, das opções técnicas, é aos jogadores que cabe a execução, o passe, a receção, o remate, a corrida, a desmarcação, a visão.
Devem os treinadores - é por isso que são treinadores - encontrar as melhores condições para os jogadores exprimirem o que valem. Os treinadores organizam os jogadores e os jogadores inspiram as equipas.
São os jogadores que mostram (ou não mostram) em campo talvez o mais importante de tudo: energia. E se mostram pouca energia, das duas uma: ou o trabalho é insuficiente, ou os jogadores não têm foco.
A energia é tudo: é o lado físico, o lado mental e o lado emocional. E o que os jogadores do Benfica mostram, como equipa, é pouca energia. Sem energia, qualquer equipa tem menos ritmo, menos consistência, menos regularidade, menos intensidade, para utilizar expressão tão em voga. E a falta de energia, devendo estar, evidentemente, associada ao trabalho de uma equipa técnica, também deve estar associada à responsabilidade do próprio jogador.
Em muitos dos principais campeonatos europeus, por exemplo, vemos muitas equipas não darem certo, mas raramente as podemos acusar de falta de energia. O Man. United joga muitas vezes mal? Mas luta e corre sempre que se farta!

A GORA que no Benfica já não há Jesus para criticar, muitos analistas viram-se, pois, para os jogadores, acusando-os de alegadamente não dar tudo o que deviam. Realmente, é o que parece. Não sabemos, evidentemente, porque não dão mais; sabemos que o que dão é menos do que seria de esperar. Às vezes, bem menos.
Mas o que já não é propriamente culpa dos jogadores é a pressa com que o Benfica, no seu todo, parece exigir que jogue o jovem Paulo Bernardo sem cuidar de saber se o contexto atual é o melhor para o jovem Paulo Bernardo ser titular à pressa. Não faz sentido. Nem isso ajuda Bernardo, nem Bernardo pode, assim, ajudar a equipa. E o que pareceria uma solução, transforma-se, de repente, em mais um problema.
Era Jorge Jesus o incompetente porque não dava a titularidade a Paulo Bernardo e porque julgava melhor opção preparar cuidadosamente a ascensão do jovem jogador.
Isto não é só pôr Paulo Bernardo e esperar que Paulo Bernardo ajude a resolver como ajudou João Félix. Se é isso que alguns esperam, convém não abusar!
Jesus também foi duramente criticado, por exemplo, por não aproveitar, lembram-se?, o jovem Florentino Luís. Mas se Florentino não consegue impor-se no Getafe, imagine-se, porque raio se considera Jesus o culpado por Florentino não ser hoje titular do Benfica? Se não se afirma numa mediana equipa espanhola, devia o jovem Florentino jogar num grande de Portugal?
Talvez muitos esqueçam, porém, que foi com Bruno Lage ainda que Florentino deixou de contar no onze da águia para passar a contar o alemão Julien Weigl.
Lage lá saberia porquê!

PS: Benfica e Sporting voltam a encontrar-se este sábado. O Sporting é favorito porque é, hoje, melhor equipa e é uma equipa com a energia certa. Mesmo quando falha!