Na fortaleza Anfield

OPINIÃO11.03.202003:00

HOJE é o dia em que o argentino Diego Cholo Simeone tenta eliminar pela primeira vez o Liverpool de Jurgen Klopp de uma competição europeia. O palco é Anfield Road, o templo mais temido do futebol europeu, responsável por tantas e tantas reviravoltas memoráveis dos reds. Estará cheio como um ovo e essa é certamente uma má noticia para a equipa espanhola que, para além de um Liverpool previsivelmente enfurecido, terá de se haver com o ruído infernal do Kop. Mas nada disso demove Simeone de tentar eliminar o alemão que chegou sempre à final nas três épocas que conduziu os reds na Europa: em 2015/2016 foi finalista da Liga Europa (derrota com o Sevilha) depois de eliminar Augsburgo, Manchester United, Dortmund (com uma remontada épica) e Villarreal. Em 2016/2017 o Liverpool falhou a qualificação para as taças europeias mas voltou em 2017/2018 e chegou novamente à final, desta feita na Champions (derrota com o Real Madrid), após eliminar Hoffenheim, FC Porto, Manchester City e Roma. Na época passada mais uma final na Champions, desta vez bem sucedida (vitória sobre o Tottenham), após eliminar Bayern, FC Porto e Barcelona, com nova remontada épica em Anfield (de 0-3 para 4-0). Portanto, é esta máquina de ganhar eliminatórias (onze seguidas!) que o Atlético, a ganhar por 1-0, pretende destronar. Diego Simeone já sabe que o Liverpool começa o jogo com mais um -o público é o décimo segundo jogador; e a ganhar por 1-0 - a vantagem que o eletrizante ambiente de Anfield garante logo à partida nas noites europeias.


Quem me conhece sabe que adoro o Liverpool. Escrevo este texto a torcer de alma e coração pela equipa inglesa, sabendo que o Atlético avança para Anfield de faca nos dentes, disposto a entrincheirar-se, a resistir o mais que puder e a tentar um golo fortuito como o que surgiu (às três carambolas) em Madrid. É esta a essência do futebol (para mim pequeno e completamente falho de grandeza) de Simeone. Vejo o Atlético mais como equipa de râguebi do que uma grande equipa de futebol, coisa que este Liverpool indiscutivelmente é. A cartilha de Simeone é a mesma há muitos anos, sem qualquer inovação ou evolução: defesa porfiada, pose guerreira, bafo na nuca do rival, pulmões a arfar, músculos a ranger, crença, grinta, muitos tackles, e fezada permanente no tal golito solitário caído do céu. É o mais resultadista de todos os treinadores resultadistas. Nada no futebol colchonero flui naturalmente -é tudo em esforço, sofrido, agónico -, e não se vê ali um pingo de sofisticação e de classe, apesar de ter à disposição futebolistas talentosos. O Atlético sofre e faz sofrer (os adeptos) em sessões contínuas com muitos empates (12 na La Liga!) e algumas goleadas de 1-0 pelo meio.


Para mim, o futebol que o Atlético joga tem o encanto de um tornozelo gangrenado e a sedução estética de uma verruga no nariz. Há quem aprecie o Cholismo e isso não me incomoda nada. Um dos muitos atrativos deste desporto é o facto de não haver ideias de jogo nem verdades táticas absolutas. Eu chorei de raiva quando o maravilhoso Brasil de Telé Santana, Zico e Falcão foi eliminado do Mundial de 1982 e não deixo de reconhecer que aquela Itália cínica, astuta e malvada tinha muita classe dentro do género escorpião. Dito isto, custar-me-ia muito se o Liverpool, que joga grande futebol (apesar de estar a atravessar um mau momento de forma) fosse eliminado por uma equipa assim - menor - que nada acrescenta à história da Champions e muito menos à do próprio futebol. Se o Liverpool tiver de ser eliminado, então que seja por uma equipa de grande futebol - como o Bayern, por exemplo.


O regresso do capitão Jordan Henderson (o cimento do meio campo) e do lateral esquerdo Andy Robertson são óptimas noticias para Klopp, a contrabalançar a péssima noticia da indisponibilidade do guarda redes Alisson Becker (ainda tocado); o seu substituto, o espanhol Adrián, não inspira a mesma confiança. Do lado do Atlético, Álvaro Morata (tocado) continua em dúvida sendo que Diego Costa ainda não tem ritmo para aguentar 90 minutos de um jogo que se prevê de altíssima voltagem; a boa noticia é que o lateral-esquerdo Lodi está recuperado. Termino com o que disse de Anfield Road o treinador Pep Guardiola, há cerca de um ano:


«Há algo sobre Anfield que não se encontra em mais nenhum outro estádio do mundo. Eles marcam um golo e nos cinco minutos seguintes parece que podem marcar mais quatro. Sentes-te pequeno e os jogadores rivais parecem estar em cima de nós. Anfield é o estádio mais difícil da Europa».
P.S. -  Caro João Félix. Os grandes jogadores fazem-se nos relvados e sobretudo nos grandes jogos, quando a pressão aumenta vertiginosamente e todo o Mundo está a ver. Esqueça os golos e as exibições nos torneios de verão. Isso não conta para nada. Os grandes jogadores são-no porque aparecem em noites como esta, em competições como esta e perante adversários como este. Só não lhe desejo boa sorte porque sou adepto do Liverpool. Abraço.