Murro ou trauma 5
FC PORTO-BENFICA, parte II. Há pouco menos de um mês, em Aveiro (Supertaça), o FCP ganhou de forma autoritária (2-0) sem precisar de fazer um grande jogo - apenas q.b. - e o lateral espanhol Grimaldo, no final do jogo, tocou no ponto - «faltou-nos personalidade». Luisão foi um bocadinho mais longe na análise ao que faltou aos encarnados, mas não terá andado longe do essencial. Atitude - ou falta dela -, eis o que faltou ao Benfica e tem sido, em nossa opinião, a grande diferença entre os rivais desde que Sérgio Conceição aterrou no Dragão. Numa palavra: o FC Porto é mais competitivo que o Benfica. Combate com mais intensidade, nunca vira a cara à luta e esperneia até ao fim quando as coisas não lhe correm bem (como ontem na Choupana, onde evitou in extremis a eliminação da Taça). É uma equipa orgulhosa, agressiva, de grande fôlego atlético (músculos a ranger, pulmões a arfar), que nunca se furta ao choque - pelo contrário. Do ponto de vista estético, o futebol do FCP está muito longe de ser atraente. O futebol do Benfica com Jorge Jesus será tendencialmente mais tecnicista e vistoso, mas também mais macio e menos contundente do ponto de vista atlético. Falta-lhe, de um modo geral, fúria, intensidade, determinação nos lances divididos. Mentalmente, a equipa está muito longe de ser uma fortaleza: vacila quando é pressionada e, no aspeto do compromisso, é muito dada a intermitências. No duelo de Aveiro com o FCP, notou-se a velha inibição psicológica (vem muito de trás) que o Benfica ainda não conseguiu resolver. Miguel Sousa Tavares costuma dizer que o Benfica «tem medo» de jogar com o FC Porto. Vou mais pelo comentário do médio colombiano Uribe no rescaldo da Supertaça: «Viu-se que queríamos mais ganhar o jogo.» A tal questão de atitude. Mais determinação. Mais vontade de.
Os duelos com o Benfica, por tradição antiga, têm o condão de convocar as mais temidas características bélicas portistas, independentemente da maior ou menor qualidade do plantel. É claro que o FCP não ganha sempre (há dois anos até perdeu os dois jogos do campeonato), mas é um facto que ganha a maior parte das vezes. A tendência do clássico, nos últimos larguíssimos anos, é claramente favorável aos azuis, seja qual for o local (Dragão ou Luz) e o ângulo de análise. Vejamos: nos últimos dez confrontos, 6 vitórias para o FC Porto, duas para o Benfica; nos últimos 20 jogos, 10 vitórias para o FCP, cinco para o SLB; nos últimos 30 jogos, 16 vitórias para o FCP, sete para o SLB; nos últimos 40 jogos, 20 vitórias para o FCP, dez para o SLB. Note-se que nos últimos 40 anos o Benfica ganhou apenas por quatro vezes no Porto (Antas e Dragão). O padrão tem sido este e Sérgio, diga-se, leva a tradição portista muito a peito: desde que chegou ao Porto, soma 6 vitórias contra duas derrotas em nove duelos com o Benfica, sendo que os quatro últimos caíram todos para o seu lado. Uma sequência que iguala o recorde do clássico de vitórias consecutivas sobre o rival (o FCP conseguiu-o em quatro ocasiões, o Benfica numa) e que Sérgio pode suplantar se ganhar por uma inédita quinta vez consecutiva. Uma marca a que Jesus não quer certamente ficar associado, ele que foi o treinador da maior derrota benfiquista no Porto (0-5 a 7 novembro de 2011) e o treinador da traumática soirée Kelvin (1-2 a 11 maio de 2013), que roubou ao Benfica um campeonato que parecia garantido.
Se o espetro de uma inédita quinta derrota consecutiva com o FC Porto não for capaz de espicaçar o orgulho benfiquista, então o problema é profundo. Jorge Jesus saberá melhor que nós que só um Benfica destemido, orgulhoso e cem por cento disposto à luta tem hipótese de sobreviver à maior competitividade e poder de punch do FC Porto no Dragão. Se o Benfica, ao invés do murro na mesa, abordar o jogo com a atitude de Aveiro - demasiado macio, demasiado expectante, sempre menos decidido e agressivo que o rival nas bolas divididas - é trauma 5 quase garantido.