Mundo e futebol em tempo de pandemia
CANSAÇO. Bem sei que o nosso primeiro ministro não quer que se fale no cansaço generalizado da população com este tempo de privação e provação provocada pela onda pandémica, ao qual se tornou moda chamar o novo normal, apesar do cenário assustador. E, no entanto, a vontade de um ministro, mesmo que seja o primeiro, não tem qualquer direito de preferência sobre a vontade do povo.
Pode ajudar, como Winston Churchill ajudou, de forma decisiva, na Segunda Guerra mundial, à solidez do estado moral da Nação, mas não será certamente por negar o direito ao cansaço, a não ser às mulheres e homens que combatem, na linha da frente, a trágica pandemia e cuidam dos seus doentes. São, de facto, heroicos soldados desconhecidos que se dispõem, em risco de vida, a um combate desigual, mas não se releva melhor o elogio e a admiração, negando a cada cidadão o direito de ser quem é e de sentir o que sente.
Eu, por exemplo, declaro-me cansado, mas não desistente. Por maioria de razão - que não vem para aqui chamada - tenho sido pessoalmente posto a uma prova difícil de resistência moral e física. Sei, pois, do que falo. Como não acontecia há muito, o acerto do discurso oficial é determinante. A comunicação deve ser cuidada, meticulosamente estudada, rigorosamente dirigida. Nada, neste momento, é mais importante do que convencer verdadeiramente os portugueses a resistir, como se estivéssemos em guerra contra um inimigo poderoso, que causa milhares de baixas e nos deixará marcas para o futuro. E isso não se faz recusando o direito aos sentimentos ou atacando sensibilidades. Faz-se gastando todas as energias na mobilização geral de um povo que, por alguma estranha ironia de Deus, ainda não parece ter sofrido tudo o que tinha para sofrer.
Talvez alguma entidade (porque não a UEFA, a FIFA, ou, mesmo, internamente, a Federação Portuguesa de Futebol?) venha a estar interessada em promover e coordenar um estudo científico sobre a influência do Covid-19 no Futebol, em geral, nas equipas de clubes e nos seus principais protagonistas, em particular.
Não se trataria, apenas, de guardar informação para memória futura, de apresentar números estatísticos sobre os jogadores infetados em cada equipa, o impacto económico nos clubes ou de avaliar o peso que este longo período de privação de frequentar estádios irá ter no adepto para o futuro. Há, a meu ver, uma área essencial de estudo que se relaciona com os efeitos psicológicos nos jogadores e que, segundo alguns treinadores, estará a criar problemas de liderança e de gestão do plantel que nunca, antes, tinham sido encontrados.
É uma perspetiva nova e, segundo alguns treinadores, pode, inclusivamente, estar na base da explicação de resultados absolutamente imprevisíveis que têm surgido ultimamente, tanto em competições nacionais como internacionais. Prende-se com o estudo da perturbada condição psicológica do jogador e do modo como a pandemia condicionou a sua qualidade competitiva.
O futebol, que ninguém tenha qualquer dúvida, ficará marcado por este tempo de pandemia. É fácil de perceber, se pensarmos que o mundo, ao não seguir o seu percurso normal de evolução, interrompida que foi a dinâmica da vida da população mundial, afetada drasticamente a economia, pressionado como foi o essencial setor da saúde, criados novos hábitos de reuniões, aulas, universalização de contactos à distância, o mundo, como dizia, se desviou da sua trajetória. Partirá, pós-pandemia, de um ponto corrigido de recomeço. É verdade que muito se perdeu, a começar pelo mais importante, que são as vidas humanas, mas, tal como Camões nos avisava, mudam-se as vontades quando se mudam os tempos. Só que ninguém sabe se para melhor…