Muito importa se jogamos bem ou mal
Rafa é livre de fazer aquilo que bem entender, excepto não jogar bem ao serviço do Benfica. Isso não lhe perdoo
HÁ quem diga que o Benfica é bom para a economia, mas raramente se fala sobre outra grande verdade: a Seleção é má para o cronista. Por um lado não me apetece fazer disto um espaço para criticar a equipa nacional, que poucas alegrias me dá nos dias que correm e ainda menos entusiasmo. Além disso ainda me acusam de lesar a pátria, tais são algumas reações acaloradas de alguns adeptos do FC Portugal. Por outro lado, devo confessar que os dias vão passando e a tortura continua. Não me interpretem mal. Não é desprezo pela Seleção de todos nós. É só mesmo muita vontade de ver o Benfica voltar a entrar em campo. E mais qualquer coisinha.
Importa começar por esclarecer que rejeito veementemente qualquer tentativa de polarização em torno deste assunto. Bem sei que o País parou para discutir a renúncia do Rafa durante duas semanas, mas devo desde já dizer que tenho muito pouco a dizer sobre o tema, a não ser que o jogador é livre de fazer aquilo que bem entender, excepto não jogar bem ao serviço do Benfica. Isso não lhe perdoo.
De resto, não é contra a Seleção Nacional quem é do Benfica, desde que não seja contra o Benfica quem é da Seleção Nacional. A coisa parece confusa por estes dias, mas no meu caso é muito simples. Pode parecer difícil acreditar naquilo que vou dizer, mas a minha vontade de voltar a ver uma camisola encarnada que não a da Seleção portuguesa pouco tem pouco que ver neste momento com alguma espécie cruzada contra o engenheiro Fernando Santos, o nosso titular por decreto Cristiano Ronaldo, o futebol pouco entusiasmante praticado pelo melhor conjunto de jogadores do futebol mundial, para não falar das outras quatro equipas que ficaram fora desta convocatória.
No entanto, o assunto teima em popular noticiários, capas de jornais, conversa de escritório, conversas em grupos de WhatsApp, conversas de café, ou seja, o meu dia inteiro. Portanto aqui vai. Não farei disto uma grande cruzada porque sinceramente o meu interesse em analisar o tema é cada vez menor. Tenho a certeza de que o assunto merecerá um dia destes maior profundidade analítica da parte de adeptos e de quem lidera a FPF. Peço apenas que depois me avisem a que conclusões chegaram, e comuniquem nos meios adequados o que pretendem fazer em relação a isso.
Existe uma ideia convencionada segundo a qual quem escreve sobre futebol em Portugal tem necessariamente que repartir o seu interesse entre o futebol de clubes e o dever patriótico de pensar a nossa Seleção, sempre que esta vai a jogo. É tão convencionada que todos a seguem, incluindo eu. Já lá vão uns quantos textos ao longo dos últimos anos, escritos com maior ou menor brilhantismo. A sequência de eventos até agora descritos foi como segue: celebrei efusivamente a vitória no Euro, como todos os portugueses que estavam vivos nesse dia; prometi até chamar Éderzito a um filho meu (a minha esposa não viabilizou a ideia); abri uma garrafa de vinho para assistir com moderado entusiasmo à final da Liga das Nações; a partir daí, não sei precisar exatamente quando, comecei a perder a paciência, o interesse, o entusiasmo e, por último, a vontade de ligar a TV. Aqui chegado, não responderei por mim se voltar a ouvir alguém cantar «pouco importa se jogamos bem ou mal». Quem canta isto devia ser obrigado a ver apenas jogos da Seleção. Esperem. Já percebi. É isso mesmo que acontece.
Há demasiadas coisas nesta Seleção, acumuladas ao longo de anos, que a tornam cada vez menos a Seleção do meu país, pelo menos do país que mais me apaixona. A culpa é de todos, excepto dos jogadores que se limitam a cumprir estoicamente o dever de jogar mal ano após ano, até a sua carreira se esvair no que podia ter sido. Provavelmente a culpa é minha também, que devia estar a escrever isto de cachecol metafórico das quinas no pescoço, com cada metade do rosto pintada de encarnado ou verde. Lamento. Não consigo. E, como a maioria das coisas na vida, não é problema que se resolva com uma goleada à República Checa.
Tem-se esta convicção de que a Seleção é uma espécie de força agregadora. Um conhecido comentador desportivo dizia há uns dias que a Seleção é a maior forte ideia patriótica neste país. Até rebobinei para ter a certeza que ouvi bem. Talvez o problema seja meu, que ao ouvir isto pensei: «Que coisa mais deprimente para dizer acerca de um país.» Ou talvez seja verdade, mas dava jeito que o clube-nação me fizesse querer beijar a bandeira mais vezes.
Tudo isto é um pouco triste e, direi, um pouco estranho. A Seleção e as múltiplas equipas - técnicas, de gestão desportiva, de marketing e comunicação, comerciais - têm tido ao longo dos anos alguns dos melhores profissionais do País nas respectivas áreas. Mas tudo o que vejo parece ancorado numa ideia caduca que pouco ou nada me diz. Às vezes penso que alguém decidiu levar demasiado a sério o tal «pouco importa se jogamos bem ou mal» e se esqueceu que isto ainda é sobre futebol, que as pessoas ainda gostavam de ver uma equipa jogar bem à bola e dar esse gozo aos adeptos, em especial quando consta da convocatória uma percentagem absurda dos melhores jogadores do planeta.
O tema cansa-me e receio não ter solução para isto que, mais uma vez, não implique mudanças profundas que não irão acontecer. Desisto por agora. Espero que a Seleção ganhe a Espanha e me cause o embaraço de engolir estes 5896 caracteres. Espero que continue a fazê-lo até levantar a taça na final deste Mundial algo bizarro no Catar. Lá estarei, onde quer que a festa se faça, com todos os meus conterrâneos, porque bem lá no fundo gosto de nos ver a todos um pouco mais felizes. Mas aquilo que mais me apetece dizer sobre a Seleção nos dias que correm é que estou ansioso por ver o Benfica entrar em campo novamente. Se a culpa é da Seleção? Não só. Também é do Benfica, que se encarregou de deixar os adeptos em pulgas a sonhar com o próximo jogo, e o seguinte. Abençoado sejas.