Mudemos de mentalidade
Muito se tem falado, nos últimos tempos, da forma como o Governo e a DGS têm negado o regresso dos adeptos aos recintos desportivos se a compararmos com a forma como tem permitido a presença de público noutros eventos culturais. É uma reclamação justa, como qualquer outra, mas que convém ficar, por estes dias, na gaveta, em especial se olharmos para as reivindicações, mais desesperadas, de quem tem, de facto, o seu sustento em causa pelas medidas - menos restritivas do que em abril mas ainda assim extremamente penalizadoras para quem as sofre na pele - agora anunciadas para travar uma segunda vaga muito mais assustadora e mortífera do que a primeira. Não vou entrar na discussão sobre as razões de um e de outro lado. Porque percebo as duas. De um lado está quem tenta impedir que a situação fique (ainda mais) descontrolada, do outro quem tem medo de, sobrevivendo à pandemia, morrer da cura. Num mundo perfeito haveria forma de encontrar uma forma de equilibrar as coisas. Mas não vivemos num mundo perfeito...
Perante isto, seria quase imoral falar da forma como o desporto, de um modo geral, tem sido tratado durante este período excecional, ainda mais se tivermos em conta que, dada a sua relevância social, lhe foi permitido, em quase todas as modalidades, prosseguir o seu caminho. Não da forma ideal, é verdade, mas da forma possível. Mudando hábitos, alterando horários, mas mantendo a atividade. O que, quando comparado com outros setores, já é muito.
Outra coisa, pertinente em qualquer altura, é falarmos da forma como o desporto está a ser tratado pelo Governo para lá daquilo que diz respeito a esta pandemia. Foi, nesse campo, bastante reveladora a entrevista concedida a A BOLA por Carlos Cardoso, presidente da Confederação do Desporto de Portugal (CDP). Nela coloca o dedo em várias feridas, em especial no que diz respeito aos apoios previstos no Orçamento de Estado para 2021, manifestamente insuficientes para as necessidades de um País que quererá manter-se saudável depois de sobreviver ao Covid-19. É, de facto, preocupante o quase desprezo com que os clubes (e não falamos dos grandes, não falamos, sequer, do futebol de alta competição) estão a ser esquecidos, quase empurrados para o abismo por quem não parece ser capaz de entender a sua importância para a sociedade.
Mas Carlos Cardoso vai mais longe e deixa, também, alguns recados que nos devem fazer pensar na nossa própria responsabilidade - de quem faz do desporto a sua vida mas também enquanto sociedade no geral - para a forma como o Governo está a desprezar um setor essencial para a nossa saúde social. Chama, o presidente da CDP, atenção, em primeiro lugar, para as culpas dos que, de dentro, minaram a visão que quem está de fora tem, há muitos anos, do desporto, que não vive, só, dos clubes e federações mais mediáticas mas que deles (e delas) depende muito para a sua visibilidade. É nestes momentos que a falta de união, mesmo nos temas mais relevantes, e as discussões inúteis, muitas vezes trauliteiras, fazem sentir as suas verdadeiras consequências. Se quem está dentro não se preocupa em encontrar soluções comuns para os problemas, preferindo, pelo contrário, semear divisões, porque haveria de se preocupar quem está fora?
A outra questão está relacionada com o modo como nós, enquanto sociedade, olhamos para os nossos atletas. Não falo dos jogadores de futebol, mas sim daqueles de que só nos lembramos quando ganham uma medalha de ouro, sem nos preocuparmos com os sacrifícios que têm de fazer, durante muitos anos, para lá chegarem. Dizemos, muitas vezes, que os políticos só se lembram deles quando chega a hora de se colarem à sua glória. E é verdade. Mas não é muito diferente daquilo que fazemos quase todos. Podemos, devemos até, exigir uma mudança. Mas temos, primeiro, de mudar nós próprios. Porque essa é a única forma de podermos, depois, exigir que quem nos governe mude também.