Mourinho nunca sai de moda
CHAMEM-LHE modas, modelos ou referências. A evolução do desporto é também fruto do mimetismo porque em alta competição aquele que não acompanha a mudança rapidamente desce ao andar dos perdedores. Mas há uma diferença entre cópia forçada e obra remasterizada. No futebol, por exemplo, assistimos nos últimos 10 anos ao primado do guardiolismo, tantas vezes elevado ao exagero, roçando, até, o ridículo nas saídas a jogar junto do guarda-redes obrigatoriamente em passe curto, por muito pressionados que estejam os defesas. Desde que mudou a regra dos pontapés de baliza o caso agudizou-se e nunca vi, em tão pouco tempo, tantos golos oferecidos sem justificação, apenas e só porque a «identidade» a isso obriga. Imitações baratas de um Barça de autor é o mesmo que colocar umas boas jantes e esquecer o motor.
MAS os tempos estão a mudar. E a Alemanha já está a assumir um papel determinante imbuída numa feliz contradição: se os germânicos foram aqueles que, como seleção, mais se aproximaram do ideal guardiolista (no Mundial-2014, e não por acaso, pois a espinha dorsal era formada pelo Bayern treinado pelo catalão), é também o país de Klopp, Tuchel, Nagelsmann, Tedesco e de outros menos mediáticos mas que partilham do mesmo mantra (e que já começam a estender-se para países vizinhos e também em Portugal, sendo Sérgio Conceição o seu mais fiel seguidor). Pois é esse futebol elétrico, muito mais elástico que plástico (mas nem por isso menos belo), que poderá estar a conquistar a Europa. As vitórias do Liverpool na Liga dos Campeões e na Premier League mostraram-nos que uma equipa não pode nem deve ter vergonha de chegar ao golo numa jogada com menos de 15 toques fazendo do espaço (e não só a bola) um elemento-chave.
É nesta nova ordem que devemos olhar com muita atenção para José Mourinho. Criticado pelo futebol demasiado defensivo e por vezes feio das suas equipas desde que saiu do Real Madrid (e há quem defenda que já o era em Espanha), o setubalense parece ter encontrado no Tottenham o habitat perfeito para recuperar o mojo. Sim, a aura de especial. No recente confronto dos spurs frente ao Manchester City de Guardiola não se viu uma equipa a colocar o autocarro e esperar que um contra-ataque desse em golo. O que se assistiu foi algo que poucas equipas conseguem fazer: controlar o adversário sem bola, convidando-o a circular para onde não deseja e, com a paciência de uma ave de rapina e a agressividade de um predador, atacar no momento de maior fragilidade da presa. E quem puder, faça-o: rever toda a jogada de um golo anulado a Harry Kane. Está lá tudo: bola a rodar por todos os jogadores (incluindo guarda-redes), triângulos criados em segundos, variação rápida de flanco pela relva, nova variação pelo ar, criatividade individual, inteligência na entrega e uma fração de segundo que deixou o avançado inglês ligeiramente fora de jogo (mas não por mérito da defesa adversária). Tivesse sido validado e o golo viralizava. Uma lição de futebol em direto.
OLHAMOS para este Tottenham e encontramos também muitos pontos de contacto com as grandes equipas de Mourinho do passado: jogadores intensos em campo mas, fundamentalmente, jogadores que rejeitam o perfil de vedeta. Quando olhamos para Lloris, Harry Kane, Son Heung-min, Sissoko, Aurier, Hojbjerg ou Reguilón admitimos que poderíamos encontrá-los na fila do nosso supermercado, a servir-nos um galão na pastelaria, a brincar com os filhos no parque ou simplesmente a dar uma corrida no calçadão. Será muito difícil vermos o português campeão em 2021 porque não tem plantel para tanto, mas não é menos verdade que, num ano em que o mercado se contraiu devido à pandemia, as suas contratações tiveram muito mais critério e o velho domínio da inteligência emocional, agora com outro contexto e ferramentas, está de volta. A maior notícia estará aqui: Mourinho nunca sai de moda.