Mourinho e a tentação
JOSÉ MOURINHO é, de longe, o melhor treinador português de todos os tempos. Ainda estará para nascer em Portugal alguém que tenha um impacto tão grande no jogo a partir do banco. E, sim, chauvinismos à parte, foi o melhor do mundo. Chegou já revolucionário no treino, com a bola em todos os exercícios e todos os exercícios a ligar ao que se passa durante os 90 minutos - fiel à periodização tática de Vítor Frade -, e revolucionário ainda no tecer de coletivos fortíssimos e indestrutíveis, usando as palavras não só para elevar os seus jogadores à transcendência, mas também para atingir os adversários em pontos nevrálgicos, ao jeito dos mental games do eterno Brian Clough. Roma não se fez num dia, mas também não foi a nenhum dos dois que encomendaram o trabalho. Poderiam ambos dizê-lo. E teriam razão.
A arrogância pura de Mourinho, dificilmente politicamente correta, criou adeptos e inimigos em todos os cantos do mundo. Além de nunca se conseguir agradar a toda a gente, há gestos que se tomam em nome de uma causa - muitas vezes para proteger os jogadores - que passam a ser detestáveis. Também o seu futebol, considerado hoje muito defensivo, não foi sempre montado à volta da sua baliza: o FC Porto e o primeiro Chelsea eram equipas de ataque. Algures, no seu caminho - e todos temos o nosso - perdeu a noção da fronteira. Deixou-se ir. Quis provar que era o mestre da tática entre italianos, envolveu-se em confrontos além do bom senso e ao ser exemplo para muitos, foi copiado e as suas cópias copiadas. Perdeu, a certa altura, a ligação emocional aos jogadores. Chegou a criticá-los duramente. Demasiadas vezes.
Mudaram os adjuntos, o discurso suavizou-se e os resultados ajudaram. É um novo ciclo. Agora, com as derrotas, precisa de resistir à tentação de voltar a cair no mesmo. E voltar a ganhar.