Mistérios!
A propósito da chegada ao Sporting do excecional talento de Francisco Trincão
F RANCISCO TRINCÃO é ainda muito jovem, 22 aninhos e toda uma vida pela frente. Talento para jogar futebol não lhe falta e confesso que me impressionei bastante quando o vi fazer no Barcelona duas ou três coisas verdadeiramente excecionais. Para o caso, nem valerá a pena estar aqui a debitar a minha opinião sobre o talento do jovem Trincão, nem a minha opinião fará diferença no que Trincão poderá ou não vir a fazer na carreira.
O mais importante, seguramente, é olharmos para que o que porventura pode ter falhado para que Trincão não seja, já hoje, como jogador, um exemplo de confirmação do seu fantástico dom para jogar futebol, como revelou no SC Braga e levou o Barcelona, o poderoso Barcelona, a quase perder a cabeça por ele há dois anos, ao ponto de pagar então ao clube português 31 milhões de euros pelos talentosos 20 anos de Francisco Trincão.
Naquela altura, o Barcelona tinha Messi, Griezmann, Dembelé… Não se podia, propriamente, esperar que o jovem Francisco Trincão chegasse a Camp Nou e se impusesse como titular. Mesmo assim, Trincão conseguiu na época de 2020/2021 marcar presença em 42 jogos (28 dos quais na Liga espanhola, com três golos, e sete, por exemplo, na Liga dos Campeões), ainda que em grande parte deles como suplente utilizado, evidentemente - foi titular apenas oito vezes em toda essa época e apenas duas no campeonato.
Pelo que, à distância, pudemos ir percebendo, mesmo pela troca de informações com jornalistas espanhóis e, em particular, catalães, o problema do jovem Trincão nunca foi, pois, o da falta de qualidade como jogador. O que pode falhar então?
O frágil enquadramento profissional - capacidade de resposta no comportamento, no espírito de sacrifício, na determinação e intensidade com que se trabalha - costuma ser uma das razões frequentemente apontadas a jovens, cujo enorme talento não tem correspondência total no que os clubes, e treinadores, exigem. Veja-se o caso do jovem Renato Sanches, que explodiu em Portugal, foi campeão da Europa pela Seleção, apaixonou os alemães do Bayern e, seguramente por não ter respondido ao contexto, acabou por descer degraus até ao Lille. Deu dois passos atrás. E parece estar agora, de novo, em condições de voltar ao que prometeu.
No caso do jovem Trincão, sabemos que foi muito criticado por se ter fotografado com um potente carro desportivo assim que arrumou as malas em Barcelona. E, não sendo isso naturalmente decisivo para se vencer ou não no futebol, a verdade é que talvez os jovens jogadores precisem hoje, mais do que nunca, de perceber como esse tipo de coisas pode ser importante para criar a melhor ou pior atmosfera em que vão passar a viver.
Fosse por que motivo fosse, a verdade é que o Barcelona se dispensou de perder muito tempo com o crescimento de Trincão, talvez porque Trincão não deu aos responsáveis do Barcelona sinais suficientemente fortes para valer a pena o trabalho.
O empréstimo ao Wolverhampton parecia, assim, uma ótima solução, sobretudo pelo contexto, com um treinador português e muitos companheiros de equipa portugueses… e pela proximidade e segurança que esse contexto poderia proporcionar a Trincão. Mais uma vez, tratar-se-ia de dar dois passos atrás para perceber, porventura, melhor, como olhar para a frente.
No Wolverhampton, com Bruno Lage, o jovem Trincão foi titular em 15 dos 30 jogos em que participou. Não deixou de ter os seus momentos brilhantes, porque é brilhante a qualidade com que, por vezes, o jovem Trincão executa.
Mas, agora que regressa a Portugal, creio que se impõe, parece-me, com legitimidade, a pergunta: por que razão Bruno Lage (o homem que tantos elogiam pela aposta em jovens) e o Wolverhampton (clube onde dinheiro não faltará) não quiseram ficar com um jogador excecionalmente talentoso como é o jovem Trincão? Por que será?!
Se Trincão estivesse, realmente, no ponto certo de rendimento para as altíssimas exigências da Premier League, não teria sido fácil ao Wolverhampton ficar com ele? Parece-me que a resposta é clara.
O jovem Trincão percebeu, entretanto, com a porta também fechada de Bruno Lage e do Wolverhampton, que dificilmente encontraria melhor solução do que fazer toda a força possível para vir para o Sporting, procurando um contexto mais favorável - eventualmente menos pressionante do que em Inglaterra - e um treinador que o conhece bem.
Às vezes, meu caro Trincão, basta fazer um reset à carreira, voltar a uma espécie de casa de partida, mudar o contexto e pensar seriamente: o que preciso eu de fazer para ser feliz?!
LEMBRA-SE o leitor de Facundo Ferreyra, o avançado argentino por quem o Benfica, no verão de 2018, investiu bom dinheiro? Falou-se, à época, de 6 milhões de prémio de assinatura, mais dois milhões/época de salário líquido. Outro daqueles misteriosos casos em que o futebol, infelizmente, é fértil…
Quando o Benfica se interessou por Ferreyra, ele tinha acabado de cumprir última época no Shakhtar, da Ucrânia, em 2017/2018, com 30 golos em 42 jogos, incluindo Liga e competição europeia - a equipa, então treinada pelo português Paulo Fonseca, chegou aos oitavos da Champions.
Com 30 golos em 42 jogos e 27 anos no bilhete de identidade, quem não apostaria em Ferreyra com alguma garantia de qualidade? A verdade é que o futebol tem realmente mistérios quase insondáveis, por pertencerem ao domínio do humano e não apenas do jogo. Mistérios que não se explicam simplesmente com táticas ou estratégias. Mistérios mais até da mente do que do corpo.
Depois de 30 golos em 42 jogos - mesmo num campeonato menos competitivo como é o ucraniano -, como explicar os sucessivos fracassos que se seguiram na carreira de Facundo Ferreyra? Por empréstimo dos encarnados, foi do Benfica para o Espanhol de Barcelona, onde, em duas épocas, fez nove golos em 36 jogos; adquirido depois pelo Celta, marcou um único golo em 13 jogos; finalmente, transferido para o Tijuana, do México, somou mais um mísero golo em 14 jogos.
Agora, há menos de um mês, surgiu a notícia de novo empréstimo de Facundo Ferreyra, do clube mexicano ao emblema argentino do Independiente - seis meses por 200 mil dólares americanos e opção de compra de 2,5 milhões de dólares para exercer até novembro deste ano.
Ninguém pode saber, evidentemente, o que significará este recomeço para Ferreyra, ele que volta, no fundo, a casa, porque nasceu na pequena cidade de Lomas de Zamora (província da grande Buenos Aires) começou a jogar no Banfield, a dez minutos de casa, passou pelo Vélez Sarsfield, a 20 minutos de casa, e vai representar agora o Independiente, da pequena cidade de Avellaneda, a 30 minutos do lugar onde nasceu. Ferreyra tem 31 anos, pode realmente não estar acabado, e lembremo-nos que aos 31 anos muito bom jogador continua apto para jogar ao mais alto nível. De vez em quando, gosto de dar o exemplo do brasileiro Jonas, que chegou ao Benfica, em 2014, já em setembro, fora do mercado por ser então jogador livre, com 30 anos e um rótulo de acabado, e que foi, na Luz, pelo menos em três das cinco épocas, apenas o melhor jogador das águias e, provavelmente, até da Liga portuguesa.
Às vezes, o que é preciso mesmo é fazer reset à carreira, dar um ou dois passos atrás e pensar seriamente: o que preciso eu de fazer para voltar a ser feliz?!
Obelga Romelu Lukaku tinha apenas 16 anos quando a Europa esfregou os olhos incrédula com o que via. Avançado do Anderlecht, com 1,90 metros e 94 quilos aos 16 anos, destruía defesas com a facilidade com que um turbo bate um motor atmosférico, e foi logo o melhor marcador do campeonato. O poder de Lukaku levou Mourinho e o Chelsea a pagarem por ele 22 milhões de euros em 2011. Mas não pegou em Londres. Rodou pelo modesto West Bromwich Albion e foi emprestado ao Everton em 2013, que o adquiriu definitivamente em 2014.
O resto da história é exaustiva e já se perdeu no tempo. O que interessa reter são estes últimos episódios, que fazem de Lukaku outro exemplo absolutamente evidente de como no futebol 2+2 nem sempre são 4, e de como o futebol tem mistérios que o próprio mistério desconhece e razões que a razão nem sempre compreende.
O sucesso de Lukaku em duas épocas no Inter de Milão levaram o Chelsea e o treinador alemão Thomas Tuchel (que muitos analistas colocam nos píncaros da lua) a gastar, há um ano, 130 milhões de euros, imagine-se, para recuperarem o rapaz que há oito anos tinha sido despachado, com o argumento, dado então por Mourinho, de não ter motivação suficiente para lutar pelo seu lugar no Chelsea. Mas 130 milhões e uma época depois, volta a ser o mesmo Chelsea, e agora também o tão elogiado Tuchel, a chutar de novo Lukaku para fora do barco azul. Como é possível?
Lukaku regressa ao Inter de Milão, onde, aposto, vai voltar a fazer das suas e a ser feliz. E não me venham, depois, dizer que os contextos, no futebol, não têm importância nenhuma.