Mi(ni)stérios do Benfica
Administração interna
1 - Indiscutivelmente brilhante, o registo do Benfica de Bruno Lage, a nível das competições nacionais. Na Liga, entre a estreia com o Rio Ave, que antecedeu a ida aos Açores há 10 meses, e o regresso a São Miguel no sábado distaram 30 jornadas. Os resultados são categóricos: 28 vitórias (93,3%!), com 100% de sucesso nos jogos fora de casa (14). Nesta época, num total de 14 jogos (11 no campeonato), teve 13 vitórias (93%), com somente 4 golos sofridos em apenas 3 partidas (uma média de 0,3 golos/jogo). O Benfica é a equipa que marca mais golos e sofre menos.
Assim se estão a pulverizar todos os recordes, mesmo que, nos últimos tempos, com exibições menos conseguidas e apesar da onda de lesões que atingiu jogadores fundamentais. E não esquecendo saídas cruciais no plantel. A eficácia passava muito por desequilibradores, como, cada qual do seu modo, foram João Félix, Jonas e mesmo Salvio. O plantel desta temporada é bom, mas menos valioso. Passámos de excesso de extremos para a sua escassez, sem que se perceba porquê. Dos jogadores que entraram, Chiquinho nunca deveria ter saído, Vinícius dá músculo à equipa, mas Raul de Tomas é um enigma e Caio Lucas é um brinca-na-areia. Voltei agora a ler o aparente interesse no recrutamento de mais um guarda-redes no mercado de Janeiro, o que julgo bastante injusto face ao desempenho imaculado de Vlachodimos.
Mas, tudo considerado, Bruno Lage continua a ser, para mim, o treinador certo para o SLB. Na praça de opiniões, estranho a intensidade (e ingratidão, por parte de alguns benfiquistas) com que se analisam acidamente as suas decisões ou palavras. Basta comparar com a bondade com que se escrutina o trabalho e as palavras de Sérgio Conceição. O que, em Lage, dizem ser equívoco, em Conceição é golpe de vista, o que em Lage dizem ser rotação insensata, em Conceição é rotação musculada, o que em Lage dizem ser defeito, em Conceição é feitio.
Negócios estrangeiros
2 - Porém, fora de Portugal, não há como fugir ao assunto. O Benfica tem tido, nos últimos anos, uma fraca prestação europeia. Como benfiquista de sempre, cresci e vivi com a sua dimensão extramuros que lhe deu uma dimensão invejável a nível mundial. Duas vezes campeão europeu, cinco vezes finalista vencido, quase sempre em circunstâncias dramáticas (prolongamentos, penáltis, com um jogador de campo a substituir o guarda-redes, jogando duas finais nos países dos adversários), três vezes finalista da Liga Europa (antes, Taça UEFA), também perdendo por penáltis e golos em instantes finais. Tudo isto na década de 60, na década de 80, na década que estamos agora a concluir. As noites europeias eram momentos fascinantes onde se concentravam todas as energias e competências.
E o que temos visto, em especial, nas mais recentes temporadas? Um Benfica quase literalmente de trazer por casa, incapaz de ultrapassar obstáculos tantas vezes apenas medianos, sem rastro memorial, quase sempre encolhido e aparentemente secundarizando o cenário em que qualquer atleta almeja estar e participar.
No futebol é cada vez mais imperativo encontrar caminhos, não de maximização de um objectivo face a outros, mas de combinação eficaz entre vários propósitos estratégicos. De um modo mais claro, se é crucial haver uma política de formação consistente, rendível e retributiva - e isso tem acontecido com indesmentível dimensão - importa perceber que há dimensões competitivas que exigem atletas experimentados, maduros e diferenciadores. Assim como é decisivo criar condições financeiras e operacionais para se ser um clube avançado e líder - e isso tem acontecido com inegável eficácia e resultados - há que ter em conta que a condição primeira para a sustentabilidade patrimonial está nos resultados desportivos. Em suma - e como está bem expresso no Relatório e Contas da SAD - a entrada e trajecto na Champions é a melhor chave (embora não a única) para contas superavitárias. E, como tal, será preferível apostar num bom desempenho europeu como modo de aumentar a probabilidade de continuar a hegemonia interna. Não podemos ter um só pé na Europa por ter dois pés em Portugal. Devemos ter dois pés na Europa e em Portugal, sob pena de prolongar formas frustrantes de benfiquexit …
É bom ter sempre presente quão significa, em toda a sua extensão, o multiplicador europeu ou, usando uma linguagem mais expressiva, o elevador europeu. Elevador que tanto sobe como desce… Nos tempos de hoje, competir na Champions não é apenas assegurar a presença e tentar ganhar alguns jogos. As suas consequências - positivas ou negativas - fazem parte do tal elevador. Seja na apetência de patrocinadores (por exemplo, gostará a Emirates que a camisola do Benfica perca jogos sobre jogos no palco mais significativo?), seja na bolsa de valores dos jogadores, seja nas assistências e nos direitos televisivos, seja no nome e prestígio, a que agora se chama marca, seja no ranking que é importante não só para os sorteios, como agora significativamente para o prémio financeiro da fase de grupos da Liga dos Campeões, seja na atractividade de craques que, não raro, escolhem em função não tanto dos campeonatos internos, mas mais do desempenho externo, seja, enfim, na capacidade de reter mais tempo jogadores nucleares.
E o que então deveremos ter em consideração? Uma equipa que não se limite a ser favorita nas competições domésticas, mas que se apresente cá e lá fora com capacidade competitiva indiscutível. Sem devaneios de poder ser, nos tempos mais próximos, campeão europeu, mas com a obrigação de fazer percursos positivos com retorno desportivo, institucional e financeiro. Percebi e aplaudo a constatação de Bruno Lage, após a derrota em Lyon: «A dimensão europeia constrói-se com muito trabalho. Dando oportunidade à equipa de ir crescendo. Temos de ir ao encontro de perceber até que ponto a equipa pode crescer. Com o que temos em casa e olhando para o mercado de forma a aumentar a competência e competitividade da equipa, para fazermos face à dimensão do clube.» Ou seja, não chega o Seixal, por melhor que o Seixal esteja a ser. Não é Seixal ou…, mas Seixal e…
Ambiente
3 - O Benfica - e não só - sofre as consequências de as competições nacionais serem pobres, vistas do ponto de vista do mercado global e do ponto de vista competitivo. A escala da intensidade com que se joga aqui nada tem a ver com a que é imprescindível fora do país. E isso é cada vez mais notório. Na Champions, em 4 encontros, 1 vitória (25%), 9 (2,25 golos/jogo) golos sofridos. O Benfica só está a defrontar um campeão do seu próprio país. Refiro-me ao russo Zenit, de um campeonato de um país que vamos ultrapassar no ranking da UEFA. E se o Leipzig é uma equipa segura, sobretudo por ser alemã, o Lyon é apenas o 15º classificado da desinteressante liga francesa.
Também o FC Porto evidencia a mesma moléstia do Benfica, a nível europeu, agravada pela prematura eliminação da Champions por um quase ignoto clube do Mar Cáspio, de nome Krasnodar. Mesmo agora jogando com equipas da segunda divisão europeia, tem tido um desempenho medíocre. Vejamos: Por cá, 13 jogos (dos quais 11 para o campeonato), 11 vitórias no total (85%), 5 golos sofridos (0,4 golos/jogo). Na Europa, 6 encontros, 2 vitórias (33%), 9 golos sofridos (1,5 golos/jogo).
O ambiente em torno do nosso futebol também favorece as condições para a mediocridade e para a autofagia. Um futebol manhoso, negativo, de pára-arranca, em que são mais estimulados os minutos parados do que os minutos a correr. As arbitragens são, corporativamente, defensivas ou matreiras. Basta comparar como um mesmo juiz português arbitra por cá e lá fora, que diferença!
E, mediaticamente, o que mais parece contar é o jogo falado. Horas e horas intermináveis de discussões, sobretudo nas horas e nos dias que se seguem às jornadas, onde em certos programas (não todos, porém), às horas mais prime, há espectáculo assegurado por artistas especializados em artificiosas e burlescas contendas, nada recomendáveis. Deveria haver, aliás, uma bolinha de uma cor tétrica no canto do ecrã para esses espaços televisivos que, na ânsia da acefalia das audiências, vão dando cabo do nosso futebol. Fala-se exiguamente do jogo, fala-se alarvemente dos bastidores, dos contratos, das transferências, das arbitragens, das claques, das misérias, dos impropérios, do circo montado todos os dias por uma qualquer parvoíce alcandorada a questão quase soberana. Compare-se o modo como se escalpeliza qualquer arbitragem aqui (dos grandes, claro…) em horas sobre horas intermináveis, com o seu contrário nos jogos europeus, apesar de, obviamente, também nestes haver erros (e alguns bem graves). Logo aqui se percebe que, tal como nos almoços, também aqui não há escrutínios grátis (ou desinteressados). Para bom entendedor…