Maus hábitos

OPINIÃO02.11.201803:28

Está o Sporting cheio de exemplos de treinadores despedidos antes de o serem. Maus exemplos. O exemplo do que acaba de suceder com José Peseiro é apenas mais um. Já estava despedido muito antes de ser ontem despedido. Como fez Bruno de Carvalho com Marco Silva e até mesmo, em certos aspetos, com Jorge Jesus. Portanto, o que o novo presidente do Sporting fez não é, afinal, nada de novo, num clube massacrado pela instabilidade e por sucessivas e lamentáveis crises.

Acredito que esperassem, talvez, muitos dos mais sensatos adeptos sportinguistas, que depois das infelizes declarações públicas do antigo presidente do Sporting, Sousa Cintra, pondo em causa o treinador que o próprio Cintra escolheu, tivessem os atuais responsáveis leoninos o bom senso de deixar morrer o assunto a bem da estabilidade da equipa e dos objetivos da época. Afinal, o que sucedeu foi exatamente o contrário. Nem uma semana depois de Cintra ter dito o que disse - deixando José Peseiro ainda mais entregue aos maus lençóis da instabilidade dos resultados e da fragilidade de uma equipa que ainda se regenera -, foi o próprio presidente eleito, Frederico Varandas, que assumiu publicamente ter o objetivo de conseguir um melhor treinador e melhores jogadores para 2019, como se os que tem fossem, à oitava jornada do campeonato, inúteis e como se esta fosse literalmente uma época para… queimar.

É, no mínimo, muito difícil de compreender, realmente, como pode o líder do clube, ainda sem dois meses de presidência, deixar passar esta mensagem, insistindo em mostrar que o treinador da equipa estava absolutamente a prazo, como se isso desse alguma vantagem no processo de reabilitação da equipa de futebol dos leões ou fosse um bom caminho na missão, assumida desde sempre pelo próprio Varandas, de unir um clube que se fraturou como nunca nos anos de presidência de Bruno de Carvalho.

TODOS sabem que Peseiro não era o treinador escolhido por Frederico Varandas. Nesse sentido, tinha evidentemente o presidente todo o direito de querer mudar. Deveria era então tê-lo feito assim que chegou ao clube. Não precisava de dar este lamentável espetáculo de deixar que o treinador fosse sendo queimado em lume brando até ele próprio, o presidente, decidir quando deixar ferver.

Mostra agora claramente Frederico Varandas que nunca protegeu nem defendeu o treinador que Cintra escolheu. E mostra que o queria ter despedido há mais tempo. Por isso o anunciou, praticamente, na entrevista que deu ao Expresso. Não resistiu, como muitos outros dirigentes sem história, à tentação de deixar o ego sobrepor-se aos interesses do clube. Fragilizou o líder técnico, criou ainda mais instabilidade na equipa, agravou o que Cintra já deixara complicado.

Não despediu Varandas o treinador após a derrota com o Arsenal mas percebe-se agora que o teria feito se a equipa não tivesse dado a boa resposta que deu com o Boavista.

Esperando apenas pelo desaire seguinte para afastar Peseiro, o que o presidente do Sporting acaba de fazer é mostrar afinal que qualquer treinador no Sporting não depende da liderança mas da pressão. E depois de tudo o que sucedeu com Bruno de Carvalho (que deixou cair toda a gente, de Jardim a Jesus, passando por Marco Silva) isso era tudo o que o Sporting não precisava nesta altura. E era tudo o que poucos quereriam acreditar que Frederico Varandas - a nova lufada de ar fresco do clube - fosse capaz de fazer.

O que se esperava do presidente do Sporting, nesta altura, era que desse um contributo decisivo para a estabilidade de uma equipa que sofreu como poucas e que está no campeonato a dois pontos do líder, tendo jogado já - note-se - na Luz e em Braga.

O que se esperava (e se exigiria) do presidente do Sporting, nesta altura, é que defendesse e protegesse ao máximo todos os profissionais do clube e lhes desse a indispensável confiança na procura de melhores resultados, exatamente ao contrário do que sempre fez Bruno de Carvalho

É aí que começa a união.

FICARÁ, certamente, Luís Filipe Vieira como o maior presidente da história do Benfica. Quinze anos após ter sido pela primeira vez eleito, parece-me isso mais ou menos pacífico e creio que dificilmente se verá diminuído nesse papel, na dimensão do que já fez pelo clube e do sucesso desportivo e patrimonial que conseguiu. E a não ser que venham a abater-se sobre o Benfica, e, portanto, sobre o presidente, más notícias no desfecho dos processos judiciais que se conhecem, não será fácil derrotar Vieira sempre que Vieira vier a recandidatar-se à liderança do maior clube português.

Fica este mandato de Vieira, o quinto, especialmente marcado por ter visto a equipa de futebol falhar o tão desejado penta, e, sobretudo, pela mão cheia dos famosos casos judiciais, que levaram, por exemplo, Paulo Gonçalves a afastar-se recentemente do clube, ele que era o responsável pela área jurídica dos encarnados desde que chegou à Luz há um par de anos, depois da formação como dirigente em clubes como FC Porto e Boavista.

CONFIA Vieira que nenhum dos casos - em segredo de justiça - provocará mais danos no Benfica do que aqueles que já se tornaram inevitáveis. Talvez o tempo lhe dê razão, logo se verá. Na realidade, nenhum dos casos parece mais grave do que qualquer dos casos que o país testemunhou (lendo e, sobretudo, ouvindo) no célebre Apito Dourado (envolvendo precisamente, e muito em particular, FC Porto e Boavista) e todos sabemos como acabou o Apito Dourado e, principalmente, como já toda a gente se esqueceu dele.

No fundo, todos sabemos também como o futebol português anda há anos impregnado de comportamentos menos claros e menos próprios, que podem não chegar, em muitos casos, a ser atos de corrupção mas são, e sempre foram, doentios tráficos de influências, inaceitáveis abusos de poder, exercícios da famosa cunha e favores invariavelmente acompanhados pela sempre indesejável… água no bico.

Poucos serão os que podem orgulhar-se de não ter sequer um telhado de vidro. Mas também nem todos ganham. E é ganhar que dá poder. E é o poder que garante a influência. E é a influência que atrai o abuso. E é o abuso que cria o sistema.

Se vai ou não o Benfica ser mais penalizado pelos casos que se conhecem, não se sabe. Como sempre, é preciso acreditar na Justiça e confiar que a Justiça esclareça as dúvidas.

O que se sabe é o que foi revelado. E o que foi revelado é suficiente para os adeptos formularem o seu próprio juízo. Venha ou não o Benfica - ou algum dos seus responsáveis - a ser condenado na Justiça, a mancha é indelével. Por alguns comportamentos inaceitáveis e práticas inadmissíveis à luz da desejável relação entre instituições e agentes do futebol.

Seja lá porque estão por explicar muitos dos emails revelados pelo assalto informático de que o Benfica foi alvo, seja porque ninguém compreende muito bem como é possível obterem-se informações judiciais com a facilidade com que aparentemente as obtinha o ex-responsável pela área jurídica encarnada, seja pela linguagem inapropriada (para não lhe chamar outra coisa) que é utilizada nalgumas das mensagens de correio eletrónico benfiquista que foram sendo sucessivamente tornadas públicas ao longo do último ano e meio.

ESTA semana, Luís Filipe Vieira teve inegavelmente a coragem de enfrentar a discussão sobre todas estas questões, aceitando uma entrevista televisiva no jornal da TVI que há anos tem a maior audiência no nosso país. O que surpreendeu não foi, naturalmente, isso.

O que surpreendeu foi termos visto o presidente do Benfica muito menos bem preparado do que seria de esperar para uma entrevista tão exigente. Isso é que surpreendeu.

Deixou-se Filipe Vieira vaguear demasiado, e de forma insegura, pelos casos que atormentam o clube.

E deixou-se vaguear claramente por impreparação.

Foi por estar mal preparado, por exemplo, que tão depressa mostrou total confiança em Paulo Gonçalves como afirmou não confundir Paulo Gonçalves com o Benfica, porque «o Benfica é o Benfica... e Paulo Gonçalves é Paulo Gonçalves».

E foi ainda por estar mal preparado que garantiu que o Benfica não distribui cartilhas aos comentadores afetos ao clube e, sobretudo, que Carlos Janela - conhecido dirigente, consultor e assessor, já com passado em vários clubes - nunca teve qualquer ligação à Luz.

Quanto às cartilhas, estamos mais do que conversados. Todos os grandes clubes as têm, e é com elas que procuram passar a informação que querem. O que é absolutamente normal.

Quanto à negada ligação de Carlos Janela ao Benfica, talvez possa falar-se na diferença entre o que todos sabem e o que alguns sempre procuram esconder.

O que também está longe de ser virgem neste nosso tão querido futebol português.