Mau tempo nos Barreiros
As semelhanças entre os contornos dos processos eleitorais do Benfica e do Marítimo são interessantes e merecedoras de reflexão para memória futura
N O recente processo eleitoral do Benfica, que conduziu à vitória de Rui Costa por vantagem esmagadora, a limitação de mandatos foi um dos temas da moda que os mais ferozes opositores de Luís Filipe Vieira esgrimiram para mudar o sentido de voto dos associados a seu favor, ignorando que um clube vive dos seus adeptos, numa relação para a vida, em todos os momentos, bons e maus.
Foi mais uma das importações grosseiras que se fazem da estratégia política, ora perversas, por esconderem, quase sempre, intenções pouco recomendáveis, ora inúteis, por não enxergarem que uma família clubista congrega, em sã convivência, gente de todos os credos, de todos os partidos, de todas as raças, de todas os estratos sociais: é essa a grande força de um fenómeno social inigualável, mal estudado e pior compreendido, que se chama futebol.
Sinceramente, nem perdi tempo a debruçar-me sobre o assunto, porque me pareceu mais um esquema apressado e oportunista, sugerido por algum especialista na arte de manipular com o propósito de arregimentar votantes indecisos. Mas como indecisão não é sinónimo de estupidez, o resultado foi catastrófico para as mentes sábias que se convenceram de que uma invenção desajeitada como esta seria o golpe de magia que faltava para legitimar a tomada do poder.
CARLOS PEREIRA é o segundo presidente há mais tempo em funções, a seguir a Pinto da Costa. Ao fim de 24 anos, porém, os sócios do Marítimo, por expressiva maioria, quiseram mudar, elegendo Rui Fontes, que já tinha presidido ao clube madeirense entre 1988 e 1997. Foi uma espécie de regresso ao passado e de duvidoso futuro.
as coisas são assim: últimos três anos de fracas campanhas no futebol, classificações modestas na liga portuguesa, com particular incidência na época atual, tendo o marítimo sido afastado da taça de portugal e da taça da liga e inscrevendo uma vitória apenas em nove jornadas do campeonato. tudo somado foi quanto bastou para as promessas de rui fontes parecerem hosanas aos ouvidos de sócios desiludidos e oportunidade imperdível para acerto de contas por parte de franjas radicais de adeptos, chamadas claques, que não morrem de amores pelo até agora presidente
Assim sendo, Carlos Pereira viu uma conjuntura desfavorável no futebol sobrepor-se a mais de duas décadas de trabalho dedicado e, principalmente, à obra feita, desde o estádio moderno, pelo qual muito batalhou, ao colégio, complexo desportivo, fundação e outras benfeitorias de ordem social, uma área que sempre lhe mereceu especial cuidado por defender que um clube como o Marítimo tem uma responsabilidade muito abrangente junto da comunidade, que extravasa a simples prática desportiva.
A S semelhanças entre o Benfica e o Marítimo são interessantes e merecedoras de reflexão para memória futura. Não estou a dar qualquer novidade se disser que o futebol luso, em termos de organização de base dos clubes, reclama uma atualização profunda e urgente, separando águas, de modo a criar melhores condições para o reforço nas estruturas profissionais e para o investimento nos escalões de formação, duas componentes que se complementam embora precisem de seguir por caminhos diferentes.
No caso do Marítimo, a massa adepta, talvez menos identificada com a realidade da instituição, deixou-se encantar pela palavra fácil e decidiu, por convicção ou por impulso.
Está decidido, em parte, pelo menos. Uma coisa é o clube, outra o património, outra ainda a sociedade desportiva que gere o futebol profissional e que, no último relatório, apresentou um lucro de dois milhões de euros.
No caso do Benfica, Luís Filipe Vieira, que os detratores carregaram de insinuações pouco claras, foi salvaguardando a posição do clube, protegendo os seus interesses da cobiça externa, por isso Rui Costa estava identificado com o universo encarnado.
Penso que Rui Fontes teve o mesmo cuidado antes de candidatar-se. Se não o fez, e se confiou no apoio de amigos de ocasião, que lhe disseram avança que depois a gente resolve, corre o risco de se lhe depararem obstáculos que, sozinho, não terá condições de ultrapassar. No entanto, pelo que consta, terá apoios prometidos, mas sugere a prudência que não acredite em ofertas de plantéis a preço de saldos. Revela-nos a experiência, nunca falham: enriquecem quem as faz e endividam os clubes que vão na conversa.
Carlos Pereira pode ser criticado pelo seu duro feitio , talvez sim, o que lhe terá custado a perda de muitos votos nesta eleição, mas ninguém lhe pode recusar o mérito de privilegiar em todas as circunstâncias a independência do clube e de ser dono das suas decisões, jamais se deixando aprisionar por tentações de grandeza que pusessem em perigo a estabilidade do emblema. Daqui em diante não se sabe como será, mas, para já, deve ser emitido um alerta de mau tempo nos Barreiros…