Manuel Sérgio

OPINIÃO25.09.201804:00

Nem todos conhecerão pessoalmente esta verdadeira lenda do saber, mas é pena. É pena porque ninguém devia passar pela vida sem conhecer e, de preferência, privar com alguém tão distinto, tão lúcido e tão único como este homem. Perdão: como este Homem. Para quem não sabe a quem me refiro, permitam-me uma sucinta apresentação: Manuel Sérgio, jovem lisboeta de 85 anos de idade. É licenciado em filosofia e Doutor/Professor em Motricidade Humana. Além disso, é/foi professor catedrático, ativista, educador, político. Está casado há mais de seis décadas. É um ser humano completo, daqueles que pensam pela sua cabeça (nem sempre é consensual ou diplomático, mas todos os grandes génios são incompreendidos) e dono de uma frontalidade, cultura e inteligência valiosas, porque raras. Muito raras.
Tenho de vos confessar, com toda a sinceridade: ao longo da vida, já participei em centenas de palestras e colóquios, em muitas ações e debates, mas nunca bebi tanto de alguém como bebi naqueles vinte, trinta minutos da sua intervenção.
O prof. dr. Manuel Sérgio - que já deu aulas por cá e no Brasil, que já foi condecorado pelo Presidente da República e que já escreveu e foi co-autor de cerca de cinco dezenas de livros - não debita ideias, não nos enche de lugares-comuns nem despeja clichés para a plateia. Ele partilha conhecimento, lança assuntos e toca em aspetos quotidianos numa perspetiva tão distinta e tão simples, que nos deixa a todos embevecidos.
Não resisto a partilhar momentos de puro brilhantismo, que, concorde-se ou não, nos remetem para a reflexão. Fica aqui o esboço possível, narrado na primeira pessoa:


1- «O treino dá saúde, claro que sim. Mas a verdadeira saúde advém da felicidade. De ser feliz. Mais importante do que correrem muito, do que comerem menos sal ou evitarem o açúcar, é pertencerem a uma sociedade que crie condições para que sejam felizes. De que serve tratarem bem o corpo, se vivem a sentir que não vos pagam o que merecem e exigem o que não podem dar? Que saúde existe em viver triste, angustiado e agarrado a uma vida cheia de contas, preocupações e injustiças sociais? Que saúde existe em viver num mundo em que prolifera a falta de valores e tudo parece mover-se com base na ideia de lucro? O melhor, de facto, é correrem. Correrem muito. O foco crescente no físico torna-vos cada vez mais acéfalos e, em certa medida, isso dá jeito a muita gente.»
2 - «Um dia vi um treinador, hoje muito conceituado, a colocar os jogadores a subir os degraus da bancada com colegas às costas. Quando o questionei, disse-me que a malta precisava de carga e que trabalhar a componente física era determinante no sucesso dos rapazes. Perguntei-lhe se conhecia algum pianista de renome que tivesse treinado a sua arte a correr à volta do piano. Ele calou-se.»
3 - «Os jogadores ou nascem dotados ou nascem sem talento. O mérito de um bom treinador é liderá-los, sobredotá-los. É exponenciar, ao máximo, o inato do atleta, nunca descurando o aspeto humano e afetivo. Se não houver talento e reforços positivos na base, dificilmente haverá o que explorar no futuro. A equipa que ganha é que a tem o maior talento inato, melhor explorado e superiormente conduzido.» Ficam apenas três tiradas de dezenas ali reproduzidas. Foram, seguramente, muitas centenas de momentos genuínos numa vida que ainda parece curta mas que já merece ser eternizada. Respeitada.
Goste-se ou não (e eu gosto muito), é o pensador do século. Respect.