Maldita, maldita, maldita Taça da Liga!
1 Nem nos meus piores pesadelos eu poderia imaginar que o FC Porto se apresentaria a jogar fora de casa para os oitavos de final da Liga dos Campeões com um ataque entregue aos estreantes nesta edição Soares (que não é para estas cavalarias), Fernando Andrade (ainda menos), André Pereira (idem aspas) e até Adrián López (que, porém e surpreendentemente, marcou o golo da vida dele). Um ataque portista desfalcado de Aboubakar, de Marega, depois de Brahimi, e estupidamente de Corona, só existiu depois de estar a perder por 2-0 e a equipa só não morreu de vez em Roma porque esta equipa herdou de outras gerações um ADN de Liga dos Campeões e um brio para os grandes jogos europeus que ninguém mais tem em Portugal. Mas fica esta sensação amarga de que não fosse a suicidária aposta estratégica na malfadada Taça da Liga, que já nos custou 4 pontos no campeonato, e o FC Porto teria saído de Roma com a eliminatória no bolso. Agora, no Dragão, vai ser preciso defender bem e atacar com quem estiver disponível e por processos bem mais simples, que não façam do remate um bicho de sete cabeças.
2 O empate do FC Porto em Guimarães foi porventura o mais injusto resultado dos portistas neste campeonato. Criámos sete ou oito oportunidades claras de golo contra zero do adversário - que, mesmo jogando em casa, nada mais fez do que defender o empate com unhas e dentes. Por isso, e porque o Vitória é um clube com tradições e responsabilidades mais altas do que isso, fez-me confusão ver os seus jogadores e equipa técnica festejarem o nulo final como se de uma vitória histórica se tratasse. E logo depois, como já sucedera após a vitória no Dragão, regressaram às derrotas. Estranho Vitória, que parece só dar tudo contra o FC Porto…
3 Também o Moreirense falou em «resultado histórico» após empatar em casa contra os portistas. Mas esse sempre fez mais, esteve a ganhar até aos minutos finais e, embora pudesse ter perdido no último segundo, encontrou pela frente um FC Porto que fez muito menos pela vitória. Uma enorme defesa do guarda-redes do Moreirense roubou 2 pontos aos portistas no último suspiro do jogo, mas ali, a dois passos da linha de golo, Fernando Andrade não podia falhar… e falhou. Mas pior, bem pior, foi a displicência, o amadorismo, a inadmissível incompetência com que Óliver falhou um golo de baliza aberta no último segundo da primeira parte. Falhou e virou costas como se nada fosse. Eu, porém, tive um pressentimento que seria nesse lance que perderíamos os dois pontos. Está ali um médio de ataque que há dois anos não marca um golo e cuja atitude em tudo dá a entender que vê isso como coisa normal. Li que Bruno Fernandes, o médio de ataque que mais golos marca na Europa, o consegue graças a horas extraordinárias que faz a ensaiar remates e livres. Óliver deveria fazer o mesmo: por castigo ou por brio próprio. Aquele falhanço não se admite num profissional que ganha o que ele ganha.
4 O que tem faltado ao FC Porto, e que justifica a enorme diferença de golos marcados em relação ao Benfica, é conseguir traduzir em golos o seu imenso caudal atacante. Qualquer estatística mostraria facilmente a diferença de tempo que uma e outra equipa demoram entre pegar na bola, sair para o ataque e rematar à baliza: o Benfica deve demorar um terço do tempo a menos que o FC Porto. O primeiro golo do Benfica contra o Nacional foi eloquente: aconteceu aos 33 segundos de jogo, dos quais 25 foram passados lá atrás, a trocar a bola entre os defesas, e 8 foram gastos a trazer a bola para a frente, isolar Grimaldo e metê-la lá dentro. É certo que também nesses 33 segundos nenhum jogador do Nacional tocou na bola e nem sequer se fez a ela, o que também é notável - mas isso é outra história. O que quero realçar - e que deveria ser material de meditação e estudo entre os portistas - é o contraste entre a facilidade finalizadora do Benfica, bem demonstrada contra o Nacional (apesar de todas as facilidades encontradas) e o interminável mastigar do futebol ofensivo dos portistas contra o Moreirense, por exemplo: finta para dentro, finta para fora, abre na ala direita, cruza para o meio, volta para a ala, dá para trás, volta a meter na área, abre na outra ala, recua para o meio, etc, etc, um futebol de batedeira, de micro-ondas, que chega a ser enervante mesmo quando parece atraente.
5 Uma das vantagens de ter Bruno Lage como treinador é que ele vem da equipa B e das camadas jovens e está por isso em condições privilegiadas para conhecer a formação do Benfica e lançar novos talentos na equipa principal. Merece todos os elogios ver o Benfica enfrentar o Nacional com sete jogadores portugueses e cinco da formação. E, embora saiba que isto funciona por ciclos, não consigo esconder a minha inveja quando vejo, por contraste, o FC Porto enfrentar o Guimarães com zero jogadores da formação e apenas um português naturalizado (Pepe). No mercado de Inverno, fomos buscar fora quatro jogadores, dos quais apenas um é português e também naturalizado. Emprestámos um português, Sérgio Oliveira, embora reconheça que não soube aproveitar as várias oportunidades que teve. Mas desdenhámos jogadores da formação, como Chidozie, emprestado ao penúltimo classificado do campeonato turco; o excelente Mikel, que continua emprestado ao Setúbal, enquanto para o mesmo lugar fomos dar mais 5 milhões a António Salvador por Loum (os negócios que mais me doem); continuamos a ter Galeno emprestado ao Rio Ave e vários jogadores que já são bem mais do que promessas na equipa B, à espera de uma oportunidade que nunca chega.
6 Por falar em Bruno Fernandes, reitero o que há pouco tempo aqui escrevi: para mim, é o melhor jogador deste campeonato. Remata como ninguém, abre jogo como ninguém, passa em profundidade como ninguém e tornou-se no maior especialista de cobrança de livres numa televisão perto de si. O livre que cobrou na Luz para a Taça, e que fotocopiaria quase por igual contra o Feirense, foi um monumento à execução técnica do jogo da bola e um remake daquilo que ficou imortalizado como a folha seca - nome dado por algum poeta dos anos sessenta do século passado para caracterizar os livres em que a bola sobe por cima da barreira e logo desce a pique, como se guiada por um radar invisível. Alguns, grandes jogadores, depois de muito treinar e ensaiar, conseguem fazê-lo uma vez por época; predestinados, conseguem-no umas duas vezes; Bruno Fernandes está a consegui-lo regularmente, como se fosse a coisa mais natural e fácil do mundo. Quando a invasão de Alcochete pôs em fuga a estrutura da equipa do Sporting, escrevi aqui que o FC Porto seria avisado em ir buscar Bruno Fernandes, que encaixaria na perfeição no onze de Sérgio Conceição, e sobretudo para evitar que ele acabasse no Benfica. Mas Pinto da Costa optou por fazer o contrário, o que só lhe ficou bem: avisou Sousa Cintra que não tinha que se preocupar porque o FC Porto não tiraria partido da situação, em relação a Bruno Fernandes ou qualquer outro. Já Luís Filipe Vieira, invocando um qualquer contencioso esquecido de décadas e fiel ao ADN do Benfica nestes casos, bem tentou roubá-lo ao Sporting, mas não conseguiu. De vez em quando é bom avivar a memória para que se saiba do que se fala quando se fala de desportivismo e de maneiras de estar no futebol.
7 E, por falar nisso - de maneiras de estar no futebol - li aqui que, a propósito do lançamento de um cartão para os sócios, o Benfica congeminou uma simulação em que o bom do André Almeida aparece a parodiar o recurso ao VAR para verificar se o cartão é válido, acabando-se por concluir que, cito, «finalmente, uma decisão a nosso favor». Que engraçados que eles são! Pressão sobre os árbitros? Até a brincar, quanto mais a sério!