Mais um passo em frente

OPINIÃO30.04.201901:30

1 - O Benfica da primeira parte perdeu face ao Sporting de Braga por 0-1. O Benfica da segunda parte venceu (e convenceu) o Sporting de Braga por 4-0. Poderiam, aliás, ser ainda mais golos. No futebol em geral, sempre tive dificuldades em perceber mudanças tão profundas mediadas por um intervalo de quinze minutos. No entanto, cada vez mais se verificam câmbios exibicionais com os mesmíssimos jogadores de um lado, ou de outro. Tenho para mim que tais alterações se podem explicar fundamentalmente por razões mais mentais do que físicas, ainda que, neste caso, e quanto aos bracarenses fosse esperada a sua incapacidade física para jogar na segunda parte como o fizera na primeira. Tenho também presente a máxima futebolística (nem sempre comprovável) de que uma equipa joga a que a outra deixa jogar. Temi pelo meu Benfica nos primeiros quarenta e cinco minutos e desassossegou-me a memória recente do ‘deixa-andar’ do jogo em Alvalade para a Taça e do jogo em Frankfurt, ao mesmo tempo que pensei que, tendo sido o golo do Sp. Braga ainda no primeiro tempo, se poderia voltar ao costume do Benfica de Bruno Lage dar a volta ao resultado (vide no Dragão, Feirense, em casa contra o Rio Ave… ). E assim foi. Uma segunda parte avassaladora, que torna a vitória indiscutível e que permite ter todas as condições para se alcançar o 37º título em 85 edições do campeonato nacional.
No rescaldo nocturno do encontro, tivemos o habitual menu: comunicados de terceiros, com a sistemática amnésia de lances difíceis ou polémicos de que antes beneficiara o  clube comuniqueiro (doença endémica que a todos parece atacar), comentadores mal educados que vão para as televisões com o palavreado e o comportamento vulgar de uma taberna bolsando a sua azia, análises arbitrais norteadas ou mal dissimuladas consoante o coração clubista de cada qual. Do jogo quase não falaram. O habitual para gáudio dos vampiros e sanguessugas das audiências seja por que meio for, mesmo em canais que até constituíam antes um factor de diferenciação positiva. Há uma boa excepção, porém: a RTP. Neste domingo, em debate sereno, elegante e educado, um benfiquista, um portista e um sportinguista não deixaram de defender acerrimamente os seus pontos de vista sem entrar na bandalheira tonitruante, prática a que outros chamariam ‘missa’ ou coisa parecida.
Houve lances polémicos ou difíceis de ajuizar em campo? Claro que sim. O que me custa ver é analistas, jornais regionalizados e comentadores não terem um pingo de memória e caírem em constantes incoerências. O braço para o penálti, umas vezes tem de ser intencional, outras não; umas vezes tem de estar a um metro, outras a cinco metros. Um encosto para derrube na área, então esse é à vontade do freguês. Um sopro tanto dá para reclamar a justeza de um penálti, como para chamar impropérios ao árbitro por o assinalar. Um toque (curiosa expressão num jogo de contacto físico permanente) transforma-se numa verdadeira sinfonia de opiniões em função da cor clubista. Já aqui disse e repito que faço esforço para atenuar a minha natural parcialidade de quem ama um clube e gosta de sempre vencer. O que me incomoda, porém, é constatar situações em que alguns além de não fazerem esse esforço, transformam a compreensível parcialidade numa metamorfose comportamental que ultrapassa todos os limites de educação, razoabilidade e coerência.
Um tal lance aos 17 minutos em que o avançado bracarense tenta chutar e bate nas pernas de Rúben Dias é equiparado a lance em que sucede o contrário (o defesa a chutar na perna do atacante) e reclama-se penálti (nas televisões, que não no campo…)! Qual a dúvida do penálti por braço claramente aberto do defesa do Braga? Em abono da verdade, a mesma situação se verificou a favor do Porto em Vila do Conde sem, no entanto, se sancionar a infracção. Percebo a discussão e a diferença de opiniões em torno do primeiro penálti a favor do Benfica, mas o que vi no ‘juízo final’ da própria Sport TV evidencia a infracção e a não reacção do infractor é indiciadora da sua imprevidência e culpa. Deveria João Félix ter levado um segundo amarelo? Aceito que poderia, ainda que não houvesse qualquer indício de intencionalidade do jogador. Mas quantos lances destes há em todos os jogos com igual critério de avaliação, incluindo nesta partida? Seria curioso ver, desde o início do campeonato, as dezenas e dezenas de faltas deste tipo não assinaladas com qualquer cartão.
Enfim, digam o que disserem os portistas e sportinguistas inflamados - esquecendo-se o que analistas referem como o ‘estado da nação’ deste campeonato e que dá um saldo bastante positivo de erros arbitrais a seu favor - o certo é que, com mais ou menos polémica, o Benfica venceu com todo o merecimento e lá teria chegado com mais ou menos dificuldade. No total dos 2 jogos, o resultado foi de 10-3.

2 - Aconteceu ao FC Porto ter o Rio Ave, como o Benfica teve o Belenenses. E se, aqui, foram dois erros individuais gritantes, em Vila do Conde foram dois erros colectivos inexplicáveis numa equipa que tem sabido valer a sua frieza e maturidade em situações em que se vê a vencer. Em situação equiparada tivemos também o Vitória de Guimarães como ‘carrasco’ do FCP (tirou-lhe 5 pontos), tal qual o Belenenses SAD o foi do Benfica.
Faltam agora três jornadas. Percebo e comungo do ambiente de satisfação depois deste obstáculo minhoto, em teoria o mais difícil. Mas não gosto do ambiente excessivamente festivo que o acompanhou, sendo mais ajuizado esperar estas três semanas. Há ainda perigos pela frente, ainda que com uma pequena margem de segurança. O futebol tem a magia (ou o desespero) da surpresa inesperada. E o Benfica, por experiências amargas no passado, sabe disso. Toda a concentração é necessária. Gostei da atitude dos jogadores: união, solidariedade, alegria, mas contenção e sentido de responsabilidade. E, como sempre, apreciei a serenidade de Bruno Lage e as suas palavras de dever cumprido, como também de apelo à concentração nos desafios ainda por cumprir.

3 - O caminho de Bruno Lage no campeonato nacional tem sido quase imaculado. Começou com 7 pontos de atraso do Porto (e alguns também do Sporting). Em 16 jogos, venceu 15 (8 fora de casa) e empatou 1. O Benfica marcou 60 golos (média notável de 3,75 golos por jogo) e sofreu 12. Em 10 dos 16 jogos marcou 4 ou mais golos. Fez até agora mais 9 pontos do que o seu competidor directo. Ganhou fora em Alvalade, Dragão, Braga, Guimarães. Notável, sem dúvida.
Outro aspecto interessante e (talvez) decisivo é o dos pontos perdidos pelos 4 primeiros classificados, até agora. Vejamos:
 O Benfica quase fez o pleno nos jogos entre as principais equipas (apenas empatou na Luz contra o SCP), tendo perdido pontos quase inexplicáveis contra o Belenenses SAD (5), Moreirense em casa (3), Portimonense (3) e Chaves, consentindo o empate no último minuto (2).  Nos 6 jogos com FCP, SCP e Sp. Braga, o Benfica fez 18 golos, uma média de 3 golos por desafio! O Braga é o oposto do Benfica. Perdeu o campeonato entre ‘pares’, o que evidencia o que ainda lhe falta para ser um ‘grande’. O Porto perdeu mais pontos com os rivais (ainda falta um jogo) do que é habitual.