Luz e sombras: da pintura ao futebol

OPINIÃO20.09.201901:43

Caravaggio

Há triunfos que deixam um travo amargo. Foi o caso das duas mais recentes vitórias do dragão. Ambas tangenciais, ambas sofridas. Sejamos claros: o FC Porto não provou ser capaz de jogar, neste momento, ao nível exigível a um verdadeiro campeão. É facto que nem tudo foi medíocre: Otávio foi titular pela primeira vez contra o Portimonense, tendo sido, de longe, o melhor dos portistas. Soares regressou ontem ao onze inicial e marcou dois golos na primeira parte. Danilo está cada vez mais imperial, sendo o verdadeiro pêndulo dos dragões. Mais: estou em crer que se vai tornar muito mais decisivo na finalização, em especial no que concerne aos lances aéreos. Marchesín continua a demonstrar ser o melhor guardião que passou pelo Dragão neste século. E é uma alegria perceber como Romário e Fábio Silva acabarão mesmo por se tornar indiscutíveis. A questão é que o estilo chiaroscuro, que caracteriza este estado de coisas, numa permanente oscilação entre luz e sombras, resulta espantoso na pintura de Caravaggio mas é sinal de maleita séria numa equipa de futebol que se pretende entre as melhores.

Bruno Lage

Otreinador benfiquista pode ser um quase neófito mas não deixa passar uma boa ocasião para surpreender. Positivamente. Agora foi a forma desassombrada como se pronunciou sobre jogadores em concreto, com nome próprio, apelido e tudo. Incluindo uma lista de guarda-redes recenseados como possíveis reforços das águias. Confesso que não me lembro de mais ninguém que, em pleno exercício de funções, tenha cometido semelhante ousadia.

Rúben Guerreiro & Tadej Pogacar

Rúben Guerreiro era um dos mais promissores ciclistas portugueses. E digo era, no pretérito imperfeito, porque agora, no presente do indicativo, já é uma certeza. A transição entre potência abstracta e acto real demorou três semanas. O mesmo tempo que durou La Vuelta, na qual se estreou e que terminou em 17º lugar. Poderá parecer estranho que se dê destaque a tal desempenho, visto não conferir direito a medalhas ou pódios. Mas quem aprecia o ciclismo percebe que mais importante do que a classificação na primeira das grandes voltas em que participou foi a classe e a atitude que sempre demonstrou. Arredou o habitual relambório de queixas e queixumes, desafiou o medo e ousou a glória. Há-de conquistá-la.
Ainda antes de completar 21 anos, o imberbe ciclista esloveno Tadej Pogacar venceu três etapas, feito que mais ninguém esteve perto de poder alcançar, e concluiu a Vuelta em terceiro lugar. Mas aqui já não estamos a falar de um muito bom ou excepcional atleta. Porque se trata de um verdadeiro fenómeno. Este ano já havia vencido a Volta ao Algarve, prova que, na última década, curiosamente, parece ter funcionado quase como um azimute: quem a vence ou já é ou acabará por ser uma estrela num futuro mais ou menos próximo, conforme se comprova pelos nomes dos triunfadores durante esse período: Alberto Contador, Tony Martin, Richie Porte, Michal Kwiatkowski, Geraint Thomas, Primoz Roglic e Tadej Pogacar.
 

A serenata de Sinisa

Todos nos lembramos de Sinisa Mihajlovic, certo? O sérvio que no início da temporada 2018/19 chegou para ser treinador do Sporting durante três épocas mas acabou despedido ao fim de nove dias? Pois sucedeu que o actual treinador do Bolonha anunciou em Julho que sofria de leucemia. Quando partilhou tão triste notícia declarou: «Foi um choque enorme. Passei dois dias a chorar no meu quarto, mas não foram lágrimas de medo, porque sei que vou vencer a doença. É recuperável e vou vencer». No último domingo não pôde estar no banco a orientar a sua equipa no desafio contra o Brescia porque estava no hospital a cumprir um programa de quimioterapia. Disputada a primeira parte, a equipa bolonhesa perdia por 3-1. Foi então que, durante o intervalo, Sinisa Mihajlovic decidiu ligar aos seus jogadores para os motivar. E não é que o Bolonha operou mesmo uma reviravolta, acabando por vencer por 4-3? Findo o jogo, a equipa dirigiu-se ao Hospital Sant’Orsola para fazer uma serenata junto da janela onde se encontrava Mihajlovic. No meio de tantas desgraças e misérias, são gestos como este que permitem acreditar numa reconciliação entre os homens e a Humanidade.