Louca (ou não...)
O que a história de uma grega a correr para Atenas tem a ver com a Inês (e com Tóquio)
NOS Jogos da Grécia Antiga não podia haver mulheres, nem sequer a vê-los. Ao relançá-los, Pierre de Coubertin manteve-lhe a tradição misógina, com nuance a condescender-se:
— Olimpíada feminina não seria prática, nem interessante, nem estética, nem coerente - seria indecorosa! Nos Jogos mulheres só podem ter a nobre missão de coroarem vencedores com grinalda!
Não havendo maratonas em Olímpia, Coubertin aceitara a sugestão de que se fizesse prova ligando Maratona a Atenas - e, para corrê-la, apareceu, veleidosa, uma mulher. Escorraçaram-na da partida, o sacerdote de Maratona recusou-lhe a bênção, insistindo no «preceito»:
— … porque não ser homem e só homens poderem ali estar.
De túnica pobre sobre o corpo escanzelado, não se resignou à ordem - e quando os 17 homens largaram para Atenas, ela não se deixou ficar - foi pelo outro lado da estrada, correndo também. Cerca de quatro horas e meia gastara nos 40 quilómetros e, ao dirigir-se para a meta dentro do Estádio Olímpico, foi barrada pela polícia, enxotada pelos organizadores. No dia seguinte, o Mensageiro de Atenas contava que se chamava Stamata Revithi, tinha 30 anos - e abandonada pelo marido com filho pequeno nos braços, rapaz que entrara numa corrida de 10 quilómetros em teste para a maratona, vendo-a a mendigar lhe dera o dinheiro perdido no bolso, alvitrando-lhe:
— Se conseguir ir de Maratona a Atenas nas Olimpíadas fico rico...
e Stamata não deixou mais de matutar na ideia da corrida. Barrada, depois, à porta do Estádio Olímpico, ouviu-se-lhe a súplica a soltar-se do coração:
— Digam ao menos que consegui vir de Maratona a Atenas, que assim, Sua Majestade pode dar futuro ao meu filho. melhor futuro…
e «louca» continuaram a achá-la.
PS: O recordar desta história é dedicado a Inês Henriques. A razão é óbvia: terem-lhe roubado o sonho da vida (como a Stamata...) - os 50 quilómetros marcha em Tóquio serem só para homens.