Limpinho

OPINIÃO05.03.201903:01

1 - Desportivamente falando, o sábado passado começou bem para mim. Tendo passado o fim-de-semana na quietude alentejana, comecei por ver o jogo de basquetebol transmitido pela RTP 2 (bem-vindo regresso da televisão pública a este desporto!) disputado na minha terra natal, Ílhavo. O Illiabum impôs-se categoricamente ao FC Porto e venceu por 90-76. Bom augúrio para o clássico que, passadas algumas horas, iria jogar-se no estádio do Dragão.

Entretanto, nos últimos dias, havia sido bombardeado por essa agora endémica moda de tudo transformar em estatísticas, de modo a nos ‘obrigarem’ a guiar previsões e a tirar conclusões. Senti-me ‘esmagado’, com algumas delas, a principal das quais era a ‘natural’ conclusão por razão estatística que o Benfica não conseguiria vencer ou até empatar no Porto.

Foi, pois, com uma sensação mista que comecei a ver o clássico. Por um lado, embalado pelo meu clube da minha terra que, contra todas as estatísticas, havia derrotado o Porto sem espinhas; por outro lado, diante de um hipotético ‘software estatístico’, a que tinha de me conformar quanto ao jogo do campeonato de futebol.

Num encontro que, pela enésima vez, foi arbitrado por um juiz da Associação do Porto (que parece deter o monopólio dos árbitros elegíveis para estes jogos, sendo tudo o resto um deserto…), eis que o Benfica venceu, para espanto dos estatísticos e contrariedade das estatísticas. Ao que creio e do que me lembro, houve até uma quase inovação (estatística) na vitória encarnada. Foi não só a de ter vencido, mas a de ter virado um resultado que começou por lhe ser desfavorável, o que já não acontecia há quase meio século. Nesta altura, lembro-me de uma citação humorística que define «a estatística como um biquíni: mostra alguma coisa, mas esconde o essencial».  Pois bem, o essencial é cada jogo jogado. E assim Bruno Lage e a sua equipa marimbaram-se no espectro estatístico e foram ao essencial: jogar para ganhar.

Mas para quem gosta mesmo de estatísticas, sempre moldáveis pelo período de análise que escolhemos, aí vai então a minha: neste último quinquénio, no Dragão, supremacia encarnada: 5 jogos, 2 vitórias, 2 empates e apenas uma derrota, 5 golos marcados e 3 sofridos.

2 - Foi um clássico bem jogado, longe do cinzentismo dos mais frequentes jogos entre os grandes. Foi um clássico antecedido pela ausência de parvoíces e provocações de ambos os clubes e a todos os níveis de comunicação, pese embora os energúmenos que atiraram pedras para o autocarro encarnado. Foi um clássico em que a equipa vencida não se pode agarrar a nenhuma situação para alimentar mal-estar e demérito da equipa vencedora, para tristeza de comentadores-vampiros ávidos de tal ‘matéria-prima’. Foi um clássico em que, em geral, os apoiantes de uma e outra equipa souberam conviver com o desfecho da partida, uns sabendo vencer e outros sabendo perder.

Finalmente, numa longa série de anos, vi um Benfica que, no Dragão, jogou claramente para vencer o jogo, o que não aconteceu com esta clareza, mesmo quando venceu ou empatou, seja com Rui Vitória, seja com Jorge Jesus. Um Benfica personalizado, confiante, respirando saúde psíquica e física, estável, solidário, competente. Ultrapassou, com classe, o contratempo do golo madrugador do Porto e nunca se deixou abater. Soube suportar bem o natural assédio portista após a expulsão de Gabriel, único período em que o Porto dominou, mais com o coração do que com a cabeça.

Bruno Lage não entrou na tão habitual ‘caixinha de surpresas’ na constituição da equipa, ao contrário de Sérgio Conceição, que dela não prescindiu. As substituições que Lage fez foram inteligentes e a explicação que deu (uma bem-vinda inovação de um treinador que, ao contrário da maioria, não faz do futebol uma ciência oculta) da entrada de Corchia é bem interessante e de quem sabe o que está a fazer. O modo como está durante o jogo, sem deslumbramentos estéreis, sem espalhafatos para exibir ao mundo e sem histrionismos para impressionar quem acha que um treinador é tanto melhor quanto mais se mexe, grita, gesticula, salta ou zanga. O modo como responde nas declarações depois dos jogos, falando do que importa, sem pseudo ironias tontas, directo, curto, não alimentando o que subliminarmente está contido em muitas perguntas, e ignorando as questões da arbitragem é de louvar. De mestre foi a sua frase depois do jogo agradecendo aos jogadores «que estão a fazer de mim treinador». Assim se une, se responsabiliza, se é solidário, se ensina, se colocam todos do mesmo lado. E isso sente-se no campo. Nos que jogam, nos que entram, nos que não entram. Respira-se genuinidade, sinceridade, autenticidade entre todos. Não é condição suficiente para se ser ganhador, mas é uma óbvia condição necessária para tal.

Quem diria há dois meses que, com a alteração de treinador, tanta coisa mudasse. Quem apostaria antes que o Benfica iria ganhar em Guimarães, Alvalade, Dragão e outros estádios? Quem sonharia que se ganhassem estes 9 jogos consecutivos sem Jonas, Jardel, Fejsa, Salvio? Quem suporia que Ferro e Florentino estivessem a jogar como se tal já fosse, na carreira deles, uma absoluta normalidade? Onde estava este Gabriel quando comparado com as suas fugazes e insuficientes aparições até Dezembro? E Samaris perdido antes como suplente de suplentes? E Grimaldo, Seferovic, Pizzi (o jogador com mais assistências na Europa!), André Almeida, Rafa numa forma e estabilidade como antes não se vira? E, por fim, João Félix, um miúdo que joga e faz jogar como ninguém, e que, antes, andava a entrar nuns míseros minutos finais? Como aqui já havia escrito, o Benfica concretizou um ‘mercado de inverno’ (interno) como nunca o fizera antes! E, como Lage disse, todos têm uma função para o todo: o primeiro atacante é o guarda-redes e o primeiro defesa é o ponta-de-lança.

3 - É já quase uma sina o Benfica acabar os jogos contra o Porto (sobretudo jogando fora) com menos do que onze jogadores. Desta feita, aconteceu nas duas voltas. Lema, na primeira volta, num indescritível erro do árbitro e Gabriel (grande jogo!) na segunda volta. Aliás, pressentia-se que alguém iria para o balneário antes do fim, tal a precisão dos amarelos sobre jogadores encarnados (justa, é certo). Todavia, o mesmo não se passou do lado do FC Porto. Pepe, no seu costumeiro modo de jogar e provocar (a que alguns chamam, eufemisticamente, experiência…), tentou - debalde - anular João Félix, abalroando-o ou simulando tontamente uma falta dele nas ‘barbas’ do árbitro assistente. E se Gabriel  foi bem expulso, não se entende como Jorge Sousa tão perto e a ver o que se passava perdoou uma expulsão a Brahimi que esbofeteou às claras Rúben Dias (e o VAR não deve também intervir em situações passíveis de expulsão?). O mesmo Brahimi que parece estar imune a qualquer castigo, aqui me recordando de um jogo em que, no fim de uma primeira parte, fez ao árbitro a sinalética de que este era doido e nada aconteceu…

4 - Curiosa a simetria que está a acontecer nesta Liga em comparação com a época passada. Nessa temporada, o Benfica recebeu o Porto com um ponto de avanço e o penta à vista, perdeu o jogo e ficou arredado do título. Agora, o inverso, com o resultado a beneficiar o Benfica, e espero que com o título em Maio.

O certo é que era imprevisível a recuperação notável do SLB. Sete pontos de atraso há 9 jornadas e agora dois pontos de avanço. Neste aspecto, o resultado de pontos ganhos / perdidos é grandiloquente: Bruno Lage - 9; Sérgio Conceição - 0.

Faltam 10 jornadas. Muito ainda, nesta luta entre os dois rivais, que se prevê dura e difícil. Não há jogos fáceis e toda a concentração é necessária. Seis jogos na Luz e quatro fora. Em tese, três mais difíceis: Moreirense, Sp. Braga e Rio Ave. Pelo meio, a Liga Europa. Mas a prioridade é a reconquista do campeonato, pelo menos para mim. Como bem disse Bruno Lage «temos de nos inventar todos os dias. Manter equilíbrio, foco no treino, determinação em evoluir, que ainda há muito para evoluir, e jogo a jogo lá vamos nós». Sonhando, mas não delirando. Trabalhando com humildade, sem vertigens dos fugazes fascínios de cada momento.