Lideranças técnicas
Amorim é o fator determinante da mudança; Conceição é a melhor contratação do dragão; Jesus é um capricho do presidente
FALTA menos de um mês para o Benfica ser chamado a participar na terceira pré-eliminatória da Liga dos Campeões, a primeira de duas etapas (o play-off será a outra) que poderão abrir a porta da fase de grupos da mais importante competição da UEFA, e serenar o ambiente, ou fechá-la de vez, e incentivar os grupelhos contestatários a espalharem a desordem no seio da família encarnada.
A situação é delicada e as declarações de Domingos Soares de Oliveira, à TVI, são o exemplo mais recente disso mesmo. No entanto, parece que nada de verdadeiramente preocupante se passa. O presidente continua ausente, pensando não existirem razões suficientemente graves para os associados ouvirem uma explicação e serem por ele informados acerca do futuro próximo do clube, a direção de comunicação funciona em serviços mínimos, nem se dá por ela, e de vez em quando há reações dispersas de vice-presidentes, sem se saber, porém, se são movidas por impulsos pessoais ou se obedecem a uma estratégia articulada.
DOS três habituais candidatos ao título, o Benfica é o que está sujeito a pressão mais forte, por culpa própria. As regras estavam definidas e sabia-se que os dois primeiros na Liga (Sporting e FC Porto) entravam diretamente na Champions e que o terceiro (Benfica) teria de sujeitar-se a provas de acesso. Nenhuma dúvida quanto a isso, mas, tomando como referência o dia de hoje, dos três, parecem ser os encarnados quem tem a casa mais desarrumada no que se refere a entradas e saídas, quando, em teoria, seria lógico esperar que sucedesse o contrário.
Dizem-me que é um falso problema, suscitado pela grandeza da águia e, por via disso, gerador de maior volume de notícias. Assim será mas, para mim, o tema de fundo é outro e tem a ver com as designadas lideranças técnicas e como elas são encaradas pelas massas adeptas de cada emblema: no Sporting, Rúben Amorim é unanimemente aceite como fator determinante da mudança; no FC Porto, Sérgio Conceição é aplaudido como a melhor contratação do dragão; no Benfica, Jorge Jesus é visto como um capricho do presidente, de aí pensar-se que, apesar de ser só funcionário do clube, detém autoridade para rebater no espaço público dirigentes eleitos ou administradores da sociedade desportiva. É verdade que já o fez, mas em relação a Domingos Soares de Oliveira não se atreveu a tanto.
TREINADORES CORAJOSOS
J ORGE VALDANO escreveu em A BOLA, na edição do último sábado, «porque o futebol são pessoas que jogam», esta frase feliz e tradutora do seu conhecimento sobre o pensamento do professor Manuel Sérgio, estudado na Universidade Católica e muito prestigiado no Brasil e países da América Latina, há anos a defender uma coisa imensamente simples: só há remate porque há um jogador que remata.
Em nome de um futebol que mantenha as suas propriedades apaixonantes e as desenvolva, apoiado no conhecimento que a ciência lhe traz, Valdano sublinha, na sua breve reflexão, que é preciso fortalecer o produto e suportar o negócio com treinadores corajosos, no sentido de não deixar aprisionar o jogo a grilhetes táticos e outros conceitos igualmente desajustados aos tempos modernos que o tornem desinteressante e aborrecido, talvez apenas tolerado pelos fanáticos da clubite aguda.
Na lusa paróquia, o percurso evolutivo tem sido lento e nada entusiasmante. Desde a teoria de que ganhar é que interessa nem que seja com um golo com a mão, passando pelo jogar para o pontinho ou pela definição do que é jogar bem inventada por Fernando Santos e que, curvemo-nos todos, deu a Portugal um Campeonato da Europa e uma Liga das Nações, até à recente proclamação de que jogar bonito é ganhar e ponto final, da autoria de Sérgio Conceição, e que Vítor Serpa contrariou com eloquente argumentação, a verdade é que ressalta a ideia de andarmos aos solavancos, com avanços e recuos, cientes do ponto que queremos alcançar mas sem a noção clara do caminho mais fácil e mais rápido para lá chegar.
Alertou ainda Jorge Valdano que novos e variados interesses continuam a interferir no futebol. O preço a pagar de um negócio forte, apesar de todas as pandemias, e por isso extraordinariamente apelativo, interesses esses que estão a desvirtuá-lo, ao ponto de não faltar muito para os clubes precisarem de contratar engenheiros especializados na descodificação de um vocabulário estranho e complicado que despreza a «magia deste jogo popular que está na sua acessibilidade e simplicidade».
T ALVEZ seja o momento para se conversar. Descobrir os tais caminhos e alargar os horizontes do pensamento. Jorge Castelo deu a sua opinião em A BOLA sobre a formação dos treinadores portugueses e questiona se não será a altura de implementar «uma renovação nos conteúdos programáticos» em virtude das exigências do futebol atual.
É uma boa questão, como muitas outras, mas do meu pequeno galho apenas peço resposta para uma pergunta antipática, que, porventura, a maioria dos portugueses desejaria colocar: por que razão a nossa Seleção, sendo das melhores do Mundo, não se comporta como tal e nem sequer foi capaz de uma abordagem competitiva que nos faça olhar para os quartos de final e meias-finais do Euro-2020 com alguma nostalgia e um sentimento ténue de injustiça? Ficámos de fora, sim, com a certeza de que não merecemos lá estar.
Em 2010, Cristiano Ronaldo disse «perguntem ao Queiroz»; agora, por respeito a 2016, e a Fernando Santos, vingou-se na braçadeira…