Lágrimas

OPINIÃO11.11.202205:30

O futebol tem destas ironias, nem sempre são de alegria as lágrimas, mas também de dor

AS lágrimas também entram em campo no Mundial que se aproxima e a disputar no pequeno país árabe como é o Catar, mas abastado emirato em que o petróleo e o gás dão para extravagâncias, triste grandeza que desconhece os direitos dos cidadãos, mas conhece bem a melhor forma de negociar no mundo que cobiça o seu vil metal.
Vem agora, tarde e a más horas, o ex-patrão da FIFA, Joseph Blatter, fazer o seu ‘mea culpa’ pela decisão que teve e deixando gato com rabo de fora, ao lembrar que quem comandou o processo foi Platini e que fez o negócio em reunião patrocinada também pelo ex-Presidente da República de França, Sarkozy e também com o todo poderoso Emir Tamiry Al-Thamir.
Correram os petrodólares e os dólares vindos do cofre da Suíça. Prometido e conseguido pôr de pé vários estádios, com arrojadas concepções, hóteis e até um aeroporto, mas ninguém querendo pedir responsabilidades pela morte de mais de 10 milhares de trabalhadores, cinco por dia e, na sua grande maioria, gente migrante oriunda de países asiáticos, sujeitando-se às piores condições de trabalho, salários miseráveis e pagos com atraso. Morreram? Quem os mandou procurar pão para a boca? Perguntem aos senhores Joseph Blatter, Platini, Nicolas Sakorzy e o Emir Talmin Al-Talmin.
O Mundial começará com lágrimas de dor. Mas como o dinheiro não fala…

OUTRA lágrima cai da face de Eusébio. Em 1966, em Londres. Acabara o Inglaterra-Portugal. O Mundial feito no formato dos interesses desportivos do futebol inglês, tal como foi visto na final ganha pela equipa de Bobby Moore e Gordon Banks.
Eusébio não devia perder, enchendo o relvado com a sua classe, mas não evitando o golo inglês vitorioso com o carimbo de dúvida. O triunfo teria de ser da equipa da casa… De nada valeu o fulgor da equipa das quinas, pois mais alto falava o interesse de quem manda no futebol. Foi assim sempre. Eusébio, rei dos marcadores, com nove golos, quatro aos coreanos num jogo em que Portugal teria uma das maiores recuperações de sempre no marcador desfavorável de 3-0, ganhando por 5-3 graças às investidas do Pantera Negra. Por isso ele chorou. E nós com ele. O Eusébio da Silva Ferreira que fez 727 jogos pelo Benfica e marcou 715 golos! O Eusébio que entrevistámos, ainda ele andava escondido na comitiva benfiquista com receio que aparecesse algum leão.

FOI no campo de Santana, no Leixões. Ele de fato e gravata, vendo-se que não estava muito habituado a tais hábitos, ainda com a influência do dialecto, balbuciou algo que nós, colaboradores do Mundo Desportivo e o redactor de A BOLA - o saudoso redactor Cruz dos Santos, que registámos como uma cacha. O Eusébio que não tardaria com o emblema da águia ao peito, voar sobre os relvados de todo o mundo, tornando-se, a par de Amália, como os emblemas internacionais da terra lusitana e na altura tão abalados pelo nosso triste orgulhosamente sós.
Eusébio que não se pode esquecer, foi figura que o mundo aplaudiu e ainda se ouve o eco desses aplausos. As lágrimas do moçambicano, senhor do futebol mundial, ainda hoje não secaram na face daqueles que testemunharam o amor a Portugal e ao futebol que Eusébio imortalizou.

MAIS lágrimas para outro monstro - o Pelé. Ainda está felizmente entre nós, nos seus 82 anos, mas já não vive, roído por três cancros. Um dos maiores de sempre. O brasileiro que no célebre embate entre Portugal e Brasil, o rei teve de enfrentar o fogoso defesa português, João Morais, confronto aguardado com a maior expectativa e que, numa jogada mais disputada, Pelé ficaria lesionado e teve de abandonar o relvado com dores e lágrimas não só do sofrimento físico.
Hoje, uma das bandeiras do futebol-maravilha de todos os temos, enfrenta graves problemas de saúde, foge dos olhos do público, amparado a um andarilho ou transportando-se numa cadeira de rodas, esperando que o árbitro dê o jogo da vida por terminado.
As lágrimas de um fim que deixará para sempre uma perda e não só para quem ama o futebol. Pelé é cidadão do mundo. Pelé que foi internacional do seu país, ainda com 16 anos, deixando para a história que a idade não é obstáculo para confiança, quando há talento. E, Fernando Santos, seleccionador de Portugal, bem como os seus parceiros treinadores, certamente que sabem isso. Mas, às vezes, não parece…

OUTRO olhar para o passado. Recordamos um intérprete do inesquecível 1966, do 3º. lugar da equipa de todos nós - o treinador brasileiro Otto Glória, que foi o percussor do futebol também ser uma profissão no nosso país. Transformou formas de estar e trouxe outros horizontes de futuro à maioria que sabia jogar à bola. O cidadão que também gostava de passar os tempos livres a saborear o seu o petisco favorito nos Caracóis da Esperança, na lisboeta freguesia da Estrela.
Treinou o Benfica, FC Porto, Belenenses e Sporting, bem como o Marselha e o Atlético de Madrid. Um senhor do futebol que nos deixou para sempre, 20 anos depois de ter sido aplaudido em terras de Isabel II. Otto Glória, que um dia, já no seu país, afirmaria que «em Portugal, nós treinadores, passamos de bestial a besta da noite para o dia». Frase que ganhou história.

ANTES do nosso ponto final, por hoje, ainda temos espaço para deixar uma lágrima para Manuel Duarte, recentemente falecido, aos 77 anos de vida, que foi um seleccionado de 66, embora vestindo a camisola do nortenho Leixões. Manuel Duarte seria considerado pela brilhante pena do saudoso Carlos Pinhão, este igualmente um emblema da mais alta qualidade da imprensa portuguesa, como o galgo da planície, embelezando uma exibição do rapaz nascido em Moimenta da Beira, quando defrontou o desaparecido Lusitano de Évora.
Não entrou no relvado em qualquer jogo no célebre Mundial em Inglaterra, mas passados uns meses renderia 500 contos para os cofres do seu clube, transferindo-se para o Sporting, que cederia também três jogadores ao clube vendedor: José Carlos de Jesus, Teixeira e João Carlos. Este último que chegaria a ministro quando da independência de Moçambique.
A presença de Manuel Duarte em Londres renderia ainda ao Leixões uma percentagem do que recebera a FPF, ou seja, cerca de 80 contos, valor que serviu para o pagamento de mais de um mês de salários do clube dos leixonenses, já que naquele tempo este pagava, a cada profissional, pouco mais do que 2.500 escudos. Outros tempos.
Já chorámos o suficiente. É o futebol nos seus momentos bons e maus. O futebol com lágrimas. Bonito, aplaudido, mas sofrido com lágrimas de alegria, e também com dor.