Lage e o futebol não é ciência oculta...

OPINIÃO04.03.201903:00

Há frases feitas no futebol que por vezes são desvalorizadas, mas que acabam por encerrar uma sabedoria ancestral que o tempo não apaga. Há muitos anos partilhei balneário com um futebolista brasileiro, já veterano, que usava uma máxima que faz todo o sentido: «Quem pede, recebe, quem desloca tem preferência.» Ou seja, se um companheiro pede a bola, deve recebê-la; se são dois a pedir, terá preferência quem estiver em movimento, para não ficar desposicionado e assim não desequilibrar a equipa. Outra máxima, que ouvi repetida à exaustão por mestres da sabedoria com quem tive a fortuna de poder aprender, de Medeiros a Juca e mais tarde com Hagan, Manuel de Oliveira, Artur Jorge, Eriksson, Mortimore e Toni, tinha a ver com o que era realmente importante preparar. Hoje vivemos tempos em que tudo corre depressa, até a velocidade a que amanuenses da teoria são graduados em mestres da teorização, falando de cátedra do que não conhecem, não sabem, não viveram, apenas ouviram dizer, fazendo uso de uma terminologia rebuscada, sem aderência à realidade, que seria motivo de chacota em qualquer balneário. Mas é o que é, nesta conjuntura em que as aparências iludem e a generalidade dos consumidores paga para ser iludido.


Voltando ao que importa preparar, a verdade é que nada é mais relevante do que o jogo que se segue. A frase, «vamos pensando jogo a jogo», ridicularizada por muitos especialistas de aviário, traduz com fidelidade o que é de boa prática fazer. «O jogo mais importante é sempre o próximo», repetia, amiúde, Sven-Goran Eriksson, «porque é o único que temos para jogar. Para quê estarmos focados no jogo de daqui a duas semanas se o que temos para ganhar é o de amanhã?» É este regresso às origens, às noções básicas e aos princípios fundadores, que está sempre presente no discurso de Bruno Lage, simples mas profundo, que não desperdiça palavras nem brinca com elas, limitando-se a usar a linguagem do futebol.


O mais difícil é fazer fácil, e é nesse pressuposto (só ao alcance de muito poucos) que deve entender-se o sucesso do arranque de Bruno Lage como treinador principal do Benfica. Quanto aos outros, que para mascararem insuficiências próprias querem fazer do futebol uma ciência oculta, são, como dizia a canção de Hermes Aquino, «nuvem passageira, que com o tempo se vai...»