Lá vamos cantando e rindo!...
Não herdei de meu avô valores materiais significativos (e ainda bem), mas um nome igual ao dele - José Eugénio Dias Ferreira (e por isso gosto que os meus amigos me tratem por José Eugénio) - mas deixou aos filhos e netos o legado da luta pela liberdade de pensamento e da sua expressão, pela qual se viu privado da própria liberdade física, o que nos atribui ainda mais responsabilidade.
Ainda jovem, com apenas 25 anos, licenciado em Direito pela Universidade de Coimbra, onde seu pai era professor, além de ter sido primeiro-ministro e ministro das Finanças, candidatou-se à obtenção do grau de doutor naquela universidade, tendo sido injustamente reprovado a 28 de Fevereiro de 1907, por razões politicas e com um acto de abuso administrativo perpetrado pelo júri, que causou escândalo na academia e, que levou José Eugénio em ombros, o aclamou como herói e iniciou a famosa greve académica de 1907!
Como se constata, estávamos a pouco mais de três anos da implantação da República e, pela sua ascendência, natural era que a sua tese fosse dedicada a um, dos diversos lentes, da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra. Acontece que meu avô não era, como hoje se diz, politicamente correcto! Bem haja, pela independência! Em consequência, dedicou a sua tese a Manuel de Arriaga e Teófilo de Braga, os dois primeiros Presidentes da República Portuguesa! Bem haja pelo arrojo!
Meu avô foi jurista, não foi jornalista, mas durante muitos anos escreveu no saudoso e insubstituível Diário de Lisboa! Peço desculpa, avô, em nome das gerações que, apesar de democracia e da liberdade de expressão e opinião, não soubemos defender esses valores e os deixamos vencer pela força do dinheiro e dos interesses. E tenho para mim que com o desenvolvimento das novas formas de comunicação a imprensa escrita terá os dias contados e em consequência cada vez mais enfraquecida a liberdade de imprensa. Oxalá não tenha razão, mas tudo, cada vez mais, parece caminhar nesse sentido.
Provavelmente algumas pessoas se interrogarão sobre o que é que isto tem a ver com o futebol ou o desporto? Tem tudo, porque cada vez mais os clubes e os seus dirigentes, e agora até a FPF querem controlar a comunicação em todos os seus aspectos! E nos outros sectores da sociedade assiste-se ao mesmo, e nalguns casos, são mesmo os jornalistas os colaboradores responsáveis por esta política. Grão a grão enche a galinha o papo; a pouco e pouco pode voltar o lápis azul ou de qualquer outra cor e forma! Tenhamos a coragem de combater os aproveitamentos que se vão fazendo da pandemia!...
E mais preocupado fico quando a tendência é para padronar pensamentos e comportamentos logo na juventude, no sentido do pensamento único, tão do agrado do regime que parecia ter terminado em Abril de 74! Não posso deixar de me lembrar do meu tempo de infante da Mocidade Portuguesa.
A Mocidade Portuguesa foi criada por uma lei de 36 tendo como objetivo abranger toda a juventude, escolar ou não, com o intuito de «estimular o desenvolvimento integral da sua capacidade física, a formação do carácter e a devoção à Pátria, no sentimento da ordem, no gosto da disciplina e no culto do dever militar»! A ela deveriam pertencer, obrigatoriamente, os jovens dos sete aos catorze anos. Os seus membros encontravam-se divididos por quatro escalões etários: lusitos, dos 7 aos 10 anos; infantes, dos 10 aos 14 anos; vanguardistas, dos 14 aos 17 anos; cadetes, dos 17 aos 25 anos. Em suma, uma organização de juventude nacional inspirada no modelo alemão da juventude hitleriana!
Odiava a Mocidade Portuguesa, em que a única coisa que se aproveitava, era o verde das camisas da farda. Mas era este o conceito de cidadania que o antigo regime obrigatoriamente me queria impingir. Felizmente, fui criado no seio de uma família que não tinha um pensamento único, antes lutava contra ele!...
Há certos complexos de esquerda que, a pouco e pouco, vão abrindo o espaço ao populismo e à direita não democrática. E lembro o hino:
Lá vamos, cantando e rindo
Levados, levados, sim
Pela voz de som tremendo
Das tubas, clamor sem fim.
Lá vamos, que o sonho é lindo!
Torres e torres erguendo.
Rasgões, clareiras, abrindo!
Alva da Luz imortal,
Roxas névoas despedaça
Doira o céu de Portugal!
Querer! Querer! E lá vamos!
Tronco em flor, estende os ramos
À Mocidade que passa.
Recordar é viver, mas neste caso retroceder! Como será o hino da nova mocidade portuguesa?
Só não o cantaremos chorando, porque, como diria Manuel Alegre, «há sempre alguém que resiste, há sempre alguém que diz não»!
Mas cantando e rindo vai também o futebol sem adeptos, perante o silêncio dos dois clubes, ou melhor, dos dirigentes dos clubes da 2.ª Circular! Há muita gente a perguntar porquê, quando o FC Porto e outros, já manifestaram claramente o que pensam!
A minha convicção responde com duas palavras muito simples, mas muito concretas, a este silêncio do Sporting e do Benfica: claques e eleições!
E lá vamos cantando e rindo, porque alguém do Benfica queria o Cavani e alguém no Sporting quer o i-voting!
Por mim, não canto nem rio. Apenas observo!