Keizer merece pedido de desculpas
Marcel Keizer pode não apresentar um daqueles currículos que convencem os adeptos mais desconfiados, mas não chegou ao Sporting caído do céu. Com certeza que houve alguém que o conhecia e que sobre ele transmitiu ao presidente da administração indicações necessariamente interessantes e convincentes que conduziram à sua contratação.
Quanto a mim bem e não defendo esta posição pelo facto de anteontem ter passado com distinção num exame em que, além das dificuldades que lhe foram criadas pelo emblema oponente, teve de, com discrição e argúcia, gerir problemas de vária ordem que se lhe depararam durante a semana, alguns previsíveis, sobretudo os que tiveram a ver com os mais recentes acertos no plantel, outros inesperados, mas igualmente internos, e que outro fim não visaram senão colocar mais pressão no próprio Keizer.
Venceram os jogadores, que tão bem se exibiram, prova provada de que o plantel não é tão pobre quanto se quer fazer passar, e, principalmente, venceu o treinador, o qual, por inconfessáveis desígnios, começou a ser aquecido em lume brando não se desse o caso de ter de ser queimado em fogueira intensa se as coisas corressem mal na noite de anteontem. E o que poderia correr mal? Perder, ver a desvantagem em relação ao Braga aumentar para dez pontos e, em face disso, admitir como muito provável uma reação fortemente adversa por parte da massa adepta.
Tenho dúvidas se, no pior dos cenários, teria acontecido assim. Os adeptos podem exceder-se no instante, mas, como têm cabeça para pensar, no dia seguinte, mais a frio, as discussões abrandam, a sensatez regressa e a disponibilidade para ouvir e refletir também.
Considero Marcel Keizer uma pessoa educada, lúcida, inteligente e já deu para ver que tem do futebol ideias claras, embora não se sinta obstinado na sua promoção, como, aliás, publicamente já expressou. É um treinador de princípios e que revela a capacidade de se adaptar às surpresas que cada jogo esconde, como ficou inequívoca e superiormente demonstrado neste jogo, que levou o treinador do Braga não só a dar os parabéns ao adversário como a confessar o seu espanto pela forma como o Sporting se apresentou.
A substituição de Peseiro por Keizer interpretei-a como uma medida de coragem assinada pelo recém-eleito presidente Frederico Varandas. Vi nessa alteração o objetivo de eliminar as sequelas do passado recente e dar início a um novo ciclo. Estabelecer o ponto de partida para um projeto de quatro anos, ou seja, espécie de lançamento da primeira pedra do Sporting do futuro por parte de alguém que definiu o rumo e não quer perder tempo. Palmas, se é este o propósito. Porém, é preciso explicar ao universo leonino isso mesmo, o que se pretende e como lá chegar, com firmeza, confiança e tempo. De aí, a presente época, dadas as circunstâncias, dever ser de transição, sem preconceitos, porque os adeptos preferem mil vezes a míngua de meia dúzia de meses de espera e receberem em troca um plano bem estruturado de médio prazo, do que continuarem a ver uma mesa farta de promessas vãs.
Varandas pode representar a mudança e indicar o caminho que intrometa o leão na partilha de títulos com a águia e o dragão. Portanto, nada melhor do que propor esse desafio em início de mandato, porque lhe permite corrigir, melhorar e consolidar um processo complexo, naturalmente de avanços e recuos.
Os adeptos vão entender e apoiar, bastando que o presidente, em vez de se deixar atrair pela gritaria das lutas tribalistas, se concentre naquilo que é verdadeiramente importante: arrumar a casa e libertá-la dos fantasmas que a têm atormentado.
No mínimo, Keizer é merecedor de um pedido de desculpas, pois foi muito feio o que lhe fez o fundador da agência que trata de comunicação desde a chegada de Frederico Varandas à presidência, e a quem o Sporting deve pagar pelo serviço que lhe é prestado, ao utilizar as redes sociais para plantar este mimo: «Peseiro foi um erro. A sua substituição permitiu vencer a Taça da Liga. Keizer é outro erro. Ainda vamos a tempo?»
O presidente terá sido informado do atrevimento? Se sim, concordou? Só ele tem a resposta, sendo certo que foi passada uma daquelas rasteiras para magoar alguém. Se era Keizer, não surtiu efeito. Mas que foi muito feio, isso foi.