Júlio Pomar
Em quase 20 anos de carreira, sempre em A BOLA, será anormal que uma das minhas entrevistas preferidas tenha sido a Júlio Pomar. Foi há em janeiro de 2017, depois de contacto telefónico recebido de forma desafetada.
- Terei gosto. Passe cá por casa.
Foi dito assim, como se eu já lá tivesse ido alguma vez, pelo que acabei por perguntar onde era e a que horas devia chegar. «Assim ao final da tarde.»
Apontei para as seis. Cedo, percebi depois, porque me pediram para esperar num andar abaixo do ateliê, na casa de Pomar, numa sala confortável, quente, escura, iluminada por livros (nem por isso muitos sobre arte) e desenhos do artista, pequenos. Um espaço emocionantemente personalizado. E uma cozinha arrumada e um aspirador a um canto. Esperei pouco e lá me encaminharam: «Pode subir, ele está a pintar.»
Pomar vestia um robe azul-escuro e trabalhava num quadro grande, do tamanho da parede, que me parecia quase concluído, pelo que, aquando da sessão fotográfica que usaria o desenho como fundo - logo, a publicar -, lhe perguntei se isso não lhe causaria aborrecimento. Disse-me que o quadro estava mal e iria pintar tudo por cima. Não sei se o fez mas parecia zangado. Falou de pinturas e esculturas, de poemas, do Benfica, de Lisboa e Paris, do amigo Mário Soares, à data hospitalizado - «o mais corajoso e inteligente da minha geração», elogiou. Contou-me que tinha por exercício pintar de pé e até a Ronaldo, que hoje joga a final da Champions, se referiu, para me explicar que não acreditava nisso do talento nos grandes artistas.
- Só gosto de desenhar, sabe. E, como gosto, desenhei toda a minha vida. É apenas uma insistência, uma prática, um gosto que se trabalha. Desde os 9 anos que faço desenhos em tudo o que posso. Mesmo assim, já velhos, na verdade creio que nunca sabemos se houve alguma coisa em nós além disso, desse gosto, compreende?