Jogar bonito é ganhar? Não, não é!
O futebol é, felizmente, bem mais complexo do que apenas um jogo que apenas importa ganhar. Por isso, só os grandes jogos ficam na história
SEM surpresa, Sérgio Conceição seguiu a moda do complexo de superioridade do treinador de futebol e disse: «Para mim, jogar bonito é ganhar. Ponto final!» A frase é ainda mais radical do que aquela que é conhecida em Fernando Santos, José Mourinho ou, até mesmo, Jorge Jesus quando nos dizem: «Para mim, jogar bem é ganhar.» Há uma diferença, que nem sequer é muito subtil, no adjetivo. Bonito não é o mesmo que bem. No entanto, ambas as frases tentam explicar aos leigos, aos treinadores de bancada, aos amadores da bola, que o que importa a um profissional é o resultado. Tudo o que aconteça aquém da vitória é secundário, supérfluo, desnecessário, suprimível.
Peço desculpa, mas não é verdade. Mais: atrevo-me a dizer que um treinador não pode dispensar o gosto do adepto, porque é o adepto do clube, do jogo, do futebol, em si, que justifica o seu trabalho e o seu vencimento. É verdade que o adepto de cultura clubista quer o resultado acima de tudo, mas, no fundo, fica desiludido se não gostar do espetáculo, se achar que a sua equipa é demasiado defensiva, se não vislumbrar o mais pequeno agrado estético.
Há uma outra versão sobre o mesmo tema, que nos ensina que o futebol não é ópera. Talvez não seja, mas não se afasta muito do bailado ou do espetáculo de teatro da Broadway. Não é indiferente ganhar com uma boa exibição ou ganhar com sorte. Admito que o entusiasmo do sucesso comece por apagar o pormenor da qualidade do jogo, mas os treinadores de futebol já deviam ter percebido por que razão a memória dos adeptos é seletiva e por que razão há jogos memoráveis, inesquecíveis, jogos que não têm tempo nem idade e resultados que não passam de meras parcelas estatísticas.
Admito que um treinador de futebol, em especial, quando é profissionalmente competente, como é o caso dos treinadores aqui já falados, saibam como ganhar jogos complicados, saibam, mesmo, como criar condições de superioridade sobre adversários que, à partida, apresentavam melhores tributos e condições. Mas o que os treinadores de futebol não podem, nem mesmo os melhores, é substituírem-se ao gosto dos adeptos e acreditarem que o seu ego é tão grande que podem impor as suas personalidades à cultura de um qualquer clube com história.
Claro que os adeptos tudo perdoam ao treinador que ganha, mas são os treinadores que ganham com boas exibições e espetáculos entusiasmantes que lhes merecem o grande reconhecimento.
Não se iludam, pois, os treinadores que se julgam ao abrigo de crítica e de análise porque cumprem o único dever de ganhar um jogo, até, mesmo, um campeonato. O futebol é, felizmente, mais complexo do que um jogo que apenas importa ganhar. E se a satisfação total do adepto não se resume à vitória, a verdade é que nem todas as derrotas levam à frustração e à tristeza.
Ainda consigo perceber que um administrador esteja de tal forma obcecado pela importância dos números no futuro da sociedade que suporta o clube que apenas queira saber de resultados desportivos porque são esses que influenciam todos os outros resultados. Porém, um treinador tem mais obrigações do que as que deve à sociedade que o contrata. Porque algumas das suas obrigações são de uma natureza deontológica e têm a ver com a formação e crescimento dos seus jogadores e com o desenvolvimento do jogo e das equipas em que trabalham.
Portanto, os treinadores com elevado estatuto e indiscutível saber técnico podem repetir, vezes sem conta, a moda de que só importa ganhar. Em defesa do futebol, sempre os irei contrariar.
Sérgio Conceição, treinador do FC Porto
O ESTRANHO CASO DO BENFICA
A entrevista concedida por Domingos Soares de Oliveira não é de leitura fácil. Percebe-se que há intenção clara de pressão sobre o treinador e sobre a necessidade de uma qualificação para a fase de grupos da Champions. Tal como há uma constatação inquietante, no que respeita à justificação da má época passada, sobre o que considera ser um desconhecimento do técnico sobre o plantel e do plantel sobre o técnico. Mas não é tanto o conteúdo que se torna difícil de entender. A maior dúvida está em saber qual terá sido o papel de Vieira...
A GARGALHADA DE JOE BERARDO
Joe Berardo parece ser um dos casos típicos em que assenta bem o ditado popular que nos lembra que «pela boca morre o peixe». Neste caso, uma gargalhada sonora e irreprimível no lugar errado e à hora errada parece ter mudado o rumo da história do comendador a quem toda a elite nacional, bem sucedida e bem instalada, achava graça e uma saudável irreverência. A mesma elite financeira e política que tratava de garantir imunidade a todos os que jogassem o seu jogo. Até ao dia em que uma crise mundial obrigou a apresentar culpados.