Jesus Riodentor
JORGE JESUS está à beira de poder viver, aos 65 anos, o momento mais belo da sua longa carreira. No sábado, em Lima (Peru), o Flamengo joga a final da Taça Libertadores com o argentino River Plate, campeão sul-americano em título; no dia seguinte, mesmo sem jogar, o Flamengo pode coroar-se campeão brasileiro a meio da tarde se o Palmeiras de Mano Menezes (2.º, a 13 pontos) não conseguir ganhar em casa ao Grêmio de Renato Gaúcho. Um resultado perfeitamente possível, embora seja expectável que Renato Gaúcho tudo faça para evitar uma possível e inédita dupla celebração da diretoria do Flamengo (que ele não se tem cansado de apontar como o grande responsável pela ressurreição do Mengão, ignorando acintosamente o papel do treinador português no processo). Claro que o River Plate do excelente Marcelo Gallardo é um adversário muito mais forte e sabido do que os times brasileiros a quem Jorge Jesus tem dado sucessivos banhos de bola - Grêmio de Gaúcho incluído; mas imagine-se que o Flamengo ganha a Libertadores e chega no domingo ao Rio a tempo de ouvir que o Grêmio pontuou em São Paulo. Que festa grandiosa irão fazer os milhões de adeptos flamenguistas naquela que é, para mim, em termos cénicos, a cidade mais bela do Mundo!
Sobre o muito que o Flamengo joga para os padrões atuais do futebol brasileiro e sobre o que Jorge Jesus foi para lá acrescentar, não vou acrescentar nem uma linha ao que Vítor Serpa tão lucidamente explicou na última segunda-feira. Sob o título O novo evangelho segundo Jesus, tocou em cheio na ferida quando referiu que, com Jorge Jesus, os brasileiros descobriram «uma nova visão do futebol do seu país», que «afinal, o jogador brasileiro não está esgotado, continua a ter uma invulgar qualidade para jogar futebol, um número único de sobredotados e continua a ser capaz de ter as equipas de maior esplendor na relva». Como este Flamengo, acrescento eu. É isso que lhes está a doer. Ter ido um treinador daqui (desconhecido, ainda por cima) para colocar uma equipa deles a jogar um futebol tão espetacular que alguns cronistas admitem fazer lembrar o do mítico Brasil de Telê Santana. Foi precisamente a rapidez, a contundência e a exuberância do sucesso de Jorge Jesus (lembre-se que quando ele chegou ao Rio o Fla estava a oito pontos do Palmeiras e a três do Santos) que tanto incomodou a classe dos treinadores brasileiros. Percebe-se. Jesus não era ninguém quando lá chegou e o que vemos ao fim de quatro meses? Que já não há nenhum treinador brasileiro (selecionador incluído) que, à conta do furacão Jesus, não tenha visto o seu saber, os seus métodos, a sua autoridade postas em causa: pelos jornalistas brasileiros e até pelo próprio povão. A culpa? quatro meses de Jesus.
Sobre a final. O River Plate ganhou duas Libertadores nos últimos quatro anos e é uma equipa ainda mais europeia que o Flamengo que, não obstante, terá porventura jogadores mais criativos, mais fantasistas, mais capazes de desatarem, com um golpe de asa, uma final que se prevê renhida e trancada. Talvez passe por aí a decisão. Admitindo-se que Jesus vai a jogo com o onze que muitos portugueses já sabem de cor - Diego Alves; Rafinha, Rodrigo Caio, Pablo Marí e Filipe Luís; Willian Arão, Gerson, Arrascaeta e Éverton Ribeiro; Bruno Henrique e Gabigol - não custa adivinhar que o Flamengo, desde que defenda bem e não abra espaços entre linhas (o que não aconteceu nos últimos jogos) tem muitas hipóteses de ganhar a final com a velocidade e a classe pura da gazela Bruno Henrique, o instinto predador de Gabigol, a visão de jogo de Arrascaeta, a técnica e o dinamismo de Éverton Ribeiro, a capacidade de passe de Gerson e até a magia do miúdo Reinier (17 anos), que é bem capaz de ter alguns minutos. O Flamengo tem mais de quarenta milhões de adeptos no Brasil e eu acho que no sábado terá mais dez milhões a torcer por eles em Portugal. Boa sorte, mister!
Euro-2020: experiência não falta
PORTUGAL, com mais dificuldades que o esperado, conseguiu qualificar-se para mais uma fase final - a 13.ª desde 2000. Não jogou bonito e algumas vezes também não jogou bem. Mas o engenheiro Fernando Santos tem um detalhe muito importante a seu favor: resultados, qualificações e os dois únicos títulos que a Seleção conquistou. Contra isso pouco há a fazer. Mesmo que todos sintamos que se podia jogar um bocadinho melhor. Adiante. Enquanto Portugal continuar a ter Santos, Ronaldo, Bernardo e São Patrício e a ser uma das equipas mais difíceis de bater do Mundo, podemos acreditar que a safra do engenheiro não está esgotada. Ronaldo, aos 34 anos (!), fez o melhor ano da sua carreira por Portugal (14 golos em dez jogos) e, mesmo limitado fisicamente, fez quatro golos nestes últimos dois compromissos e foi mais uma vez (a sexta) o nosso melhor marcador na fase de qualificação. Continua a ser indispensável, está à beira do centenário… e de se tornar, depois do brasileiro Romário (que fez mais de cem golos com PSV, Vasco e Flamengo), o segundo futebolista da história a marcar cem golos com três camisolas (Man. United: 115; Real Madrid: 450; Portugal: 99).
O capitão encabeça o pelotão de veteranos que assegura um importante capital de experiência e traquejo no Euro-2020, para mais sabendo-se que poderemos ter um grupo muito mais complicado que o do Euro-2016. O quarteto de jogadores na história da Seleção com mais fases finais (e mais jogos nesses torneios) estará, ao que tudo indica, na convocatória. Ronaldo vai para a sua 11.ª fase final (acumula 44 jogos e 21 golos); Pepe vai para a 9.ª (28 jogos / 4 golos); e João Moutinho (27 jogos) e Rui Patrício (24) vão ambos para a 8.ª fase final. William (6.ª; 17 jogos), Raphael (5.ª; 13 jogos), Fonte (5.ª; 12 jogos), Bernardo (4.ª; 9 jogos, um golo) e Danilo (4.ª; 9 jogos) completam o núcleo de jogadores mais batidos (a que ainda se pode juntar João Mário) de uma Seleção que não fica atrás de ninguém nesse capitulo normalmente tão importante nas fases finais: a experiência e a ratice pesam muito.