Jesus e o caminho de Santiago

OPINIÃO02.10.201901:28

GRÊMIO-FLAMENGO, 1.ª mão da meia-final da Libertadores, ao início da madrugada (1h30), na Arena do Grêmio em Porto Alegre. Casa cheia e o Brasil futebolístico a suster a respiração. O Imortal Tricolor contra o Mais Querido. Renato Gaúcho contra Jorge Jesus.  Ontem estava a conferir factos, feitos, datas e figuras no ficheiro que tenho de Jesus e creio que não andarei muito longe da verdade se escrever que, tudo considerado, talvez este seja (até agora, claro) o jogo mais importante na longa carreira do treinador português. Ele joga um lugar na final da Taça Libertadores (a Champions sul-americana), que é a segunda competição clubística mais importante do planeta futebol. O vencedor deste duelo brasileiro enfrentará na final (jogo único em Santiago do Chile a 23 de novembro) o vencedor do duelo argentino River Plate-Boca Juniors (campeão e finalista vencido da última edição). Mais do que o troféu que todo o treinador e futebolista brasileiro sonha levantar, a Liberta é uma paixão sul-americana. No seu quadro de vencedores estão imortalizadas grandes equipas como o Peñarol de Roberto Scarone, o Santos de Pelé, o Estudiantes de Osvaldo Zubeldia, o Independiente de Pedro Dellacha, o Flamengo de Zico e Paulo César Carpeggiani, o São Paulo de Telé Santana e Raí, o Grêmio e o Palmeiras de Scolari, o Boca de Carlos Bianchi e mesmo este River de Marcelo Gallardo, bicampeão nos últimos quatro anos. Até hoje, em 58 edições, só um treinador não sul-americano venceu a Libertadores: foi o croata Mirko Jozic (treinou o Sporting em 1998-1999) que, em 1991, levou os chilenos do Colo-Colo ao título, numa das maiores surpresas da história da competição. Jesus aspira ser o segundo a consegui-lo e tem motivos para acreditar que é possível, aos 65 anos, ganhar aquele que seria, de longe, o título mais importante da sua carreira, onde se contam duas finais europeias com o Benfica perdidas de forma dolorosa - uma em Amesterdão, nos descontos (com o Chelsea), outra em Turim no desempate por penáltis (com o Sevilha).

O Flamengo, líder do Brasileirão, tem dado mostras de uma qualidade, de uma autoridade e de uma competitividade que permitem acreditar num final de época… duplamente glorioso. Pelo menos é nisso que os adeptos flamenguistas acreditam, embora toda a imprensa carioca considere o Grêmio de Renato como um osso bem duro de roer. Naturalmente: o experiente Colorado disputa a terceira meia-final seguida na Libertadores e há dois anos levou o título para casa. Segundo o cronista Washington Rodrigues, «[a galera do Colorado] diz que o Grêmio em casa não perde e que Renato botará Jesus na cruz, com prego enferrujado». De facto, o Flamengo só ganhou quatro jogos em Porto Alegre (em 42) e a última vitória foi em 2004. Mas nem é preciso ganhar. O que importa é que o Flamengo consiga sair por cima no final da 2.ª mão, no Maracanã. O comentador Paulo Vinicius Coelho, autor do livro Escola Brasileira de Futebol, elogia o treinador português quando discorre na Folha de São Paulo sobre «as razões do sucesso ou da queda de um técnico»: «Jorge Jesus tem 65 anos e uma incrível sede de vencer», escreve ele.
É o que se depreende (ver quadro anexo) quando se constata o notável rendimento de Jesus em meias-finais nesta última década - em 15, só perdeu três, duas para o SC Braga e outra para o FC Porto. Esses números deviam assustar Renato Gaúcho porque revelam um padrão. O padrão de quem raramente se afoga com a praia à vista.