Já têm medo de nós

OPINIÃO13.10.202004:00

Há meia dúzia de anos, nem tanto, se a Seleção lusa empatasse com a França, em Paris, dava para fazermos uma festa. Este domingo, porém, fomos lá empatar e Fernando Santos ficou pouco agradado com o desempenho da equipa, por entender que os jogadores portugueses podiam ter feito mais e melhor.

O Europeu de 2016, que vencemos contra todas as previsões, constituiu a linha de fronteira que finalmente conseguimos passar para o outro lado, onde moram os grandes, os mais fortes, os que andam de braço dado com o triunfo e se habituaram ao fascínio dos aplausos permanentes.

Em 2004, no Europeu realizado  no nosso país, chegámos quase lá, mas sem revelar ainda suficiente preparação em termos organizativos e de estruturas de apoio, apesar da rica geração de jogadores sem títulos, mais uma, que começou a diluir-se na sequência desse objetivo perdido. Por isso, a força de acreditar que o atual selecionador carregou, o único que repetidas vezes confessou que seria possível alcançar o inimaginável, foi determinante para darmos o salto que queríamos dar, embora sem saber como.

Fernando Santos indicou o caminho, os jogadores confiaram nele e a mudança deu-se, mudança essa que, definitivamente,  libertou Portugal, e o seu futebol, dos canhestros conceitos do passado, do tempo das vitórias morais, quando jogávamos maravilhosamente e a derrota estava garantida, e lhe incutiu a confiança necessária para enfrentar com coragem e ousadia os desafios do futuro, por mais exigentes que sejam.

No essencial, com a vitória no Campeonato da Europa, Fernando Santos colocou o ponto final no ciclo de  uma Seleção de vulgares aspirações, que ora ganhava ora perdia e chegada a hora das decisões ficava à porta, resignada aos seus azares, aos quais acrescentava a cruel perseguição dos árbitros, esse artifício muito tuga que criou raízes profundas e ainda hoje  perdura nas mentes confusas de muito boa gente ligada à área do treino.

Com os mesmos jogadores, Fernando Santos transformou a  velha Seleção, que se alimentava  de  intermitências exibicionais e enxergava curtos horizontes, na nova Seleção, muito diferente, a quem ensinou a desfrutar os  prazeres do sucesso. De tal maneira fez bem o seu trabalho que, como este jogo de domingo inequivocamente demonstrou, o Portugal de hoje é respeitado e temido. É uma máquina de bom futebol que só tem em mente sobrepor-se aos adversários. 

Adquiriu o estatuto que diferencia os poderosos e descobriu a rota das conquistas: campeão europeu, vencedor da Liga das Nações e o que a seguir se verá. Campeão do Mundo? Já não digo nada. Com este selecionador e com esta Federação, mais Cristiano Ronaldo e a valiosa panóplia de praticantes que o segue  creio que esse desígnio supremo deixou de ser miragem.

É a conclusão  que se extrai das declarações do selecionador e do capitão franceses, campeões  mundiais em título. Um disse que foi preciso tomar precauções em função das qualidades de Portugal, mas, felizmente para ele, «não vimos Ronaldo esta noite»; o outro  justificou o comportamento de uma França  mais recuada do que é costume, talvez «por medo do adversário».

Portanto, como  referia  um engraçado anúncio a  conhecida  marca de pasta dentífrica, mais palavras para quê, são artistas portugueses.

Tiago treinador? Um dia, talvez!

Não me surpreende que João Henriques tenha merecido a preferência da cúpula do Vitória de Guimarães, o que  me espantou, sim, foi este treinador ter ficado desempregado no final da época transata, depois de dois anos de trabalho muito relevante ao serviço do Santa Clara.

O Vitória SC quis inovar, o que deve  ser elogiado, mas, em consequência de qualquer motivo que absolutamente me escapa, as coisas correram mal e fico com a profunda sensação de que, neste caso, também uma raridade, o enganado foi o  clube, fazendo sentido os reparos que o seu presidente, Miguel Pinto Lisboa, terá dirigido a Tiago Mendes, durante a assembleia  geral, quando deu particular relevância a uma pequena frase que explica quase tudo, ou mesmo tudo: «Mais do que vontade de ganhar, mostrou medo de perder.»

Talvez não tivesse sido exatamente o receio de perder, porque nunca escasseia a imaginação para se  inventarem  desculpas para tudo, mas o reconhecimento  da sua impreparação para se expor à severidade da crítica do adepto. O jogador representa apenas uma parte do coletivo, que é a equipa, mas o treinador é um homem só, único responsável pelas suas atitudes e decisões.

À parte as justificações que fez constar no espaço público, ou alguém por ele, penso ter sido o pavor de não ser capaz que o levou a  desistir de ser treinador do Vitória de Guimarães e a comprometer  uma carreira com três jornadas de vida… Seja o que for que tenha acontecido,  é minha convicção de que o Vitória vimaranense fica beneficiado com a troca.