Memória de um jogo entre Boca Juniors e Benfica, a 20 de agosto de 1968, em Buenos Aires
Humberto Coelho fez 75 anos, o nosso jornal não o esqueceu oferecendo aos leitores uma inédita reportagem fotográfica, recordando momentos altos da sua carreira, mais que merecida homenagem à que gostaria de poder juntar-me, lembrando o que creio ter sido o seu primeiro jogo, no estrangeiro, com a primeira equipa do Benfica, a 20 de Agosto de 1968, em Buenos Aires, contra o Boca Juniors, no histórico Estádio La Bombonera.
Eu, que estava na Bolívia, fui até lá para dar uma pequena ajuda ao saudoso e querido amigo Carlos Pinhão, que acompanhava o Benfica como enviado-especial. Depois do obrigatório grande abraço, disse-me o Carlos: «O Otto Glória traz aí um miúdo que só tem 18 anos, mas que já é um ótimo defesa, chama-se Humberto e vai ser um craque.»
A foto que ilustra este artigo das memórias fotográficas de Humberto Coelho não podia ser mais emblemática: ainda Neil Armstrong não tinha posto o pé na Lua e Humberto Coelho levantava, em Coimbra, a Taça de Campeão Nacional de Juniores, após vitória sobre o FC Porto
Na comitiva havia outro jovem, lourinho e tímido, o Praia, que nos deixou na flor da vida e pude ver como o Toni, que era mais velho, se preocupou em proteger e apadrinhar os dois na sua primeira experiência internacional.
Os argentinos vivem o futebol de uma forma muita especial e, nesse desafio amigável em que nada estava em jogo, o ambiente era extraordinário, como se fosse a final da Taça Libertadores.
Vi o jogo sentado no banco ao lado do Otto Glória, interessava-me ver e escrever sobre as reações dos treinadores durante os desafios, experiência que repeti um pouco mais tarde num desafio europeu do Benfica contra o Ajax, em Amesterdão.
O Boca foi o primeiro a marcar, de penálti, mas logo a seguir empatou Jacinto, também de grande penalidade. «Foi para compensar, o deles também não tinha sido», confidenciou-me no momento o técnico brasileiro.
Não houve mais golos e tudo acabou igualado, Humberto Coelho foi titular, disputou a grande nível todo o desafio enquanto Praia só jogou a segunda parte, no lugar de José Augusto.
Terminado o desafio houve uma bronca monumental no balneário do Benfica e tudo à custa do Eusébio. Era sabido que o cachet que recebia o Benfica seria muito diferente com ou sem Eusébio. Ele, que recentemente tinha sido operado ao joelho, aceitou prestar mais um dos seus grandes serviços ao Benfica, fazendo o sacrifício, mesmo com risco para a sua saúde, de ir com a equipa para que o contrato pudesse ser cumprido.
Só vê-lo era suficiente para constatar de que não estava em condições de jogar, ao adversário que o tinha que o marcar bastou-lhe ver em que joelho estava a ligadura para dar-lhe aí com a bota e deixá-lo fora de combate. Não aguentou nem meia hora dentro do relvado.
Antigo capitão do Benfica foi orientado por Eriksson, que faleceu esta segunda-feira, vítima de cancro
Com isso o Boca Juniors sentiu-se enganado, tinham-lhe dado gato por lebre, pagara para ver o grande Eusébio e levaram-lhe um jogador coxo sem quase poder por-se de pé. Fora de si, o presidente do clube, um tal Armando, a altos gritos, chamou de tudo, de ladrões para cima, aos dirigentes benfiquistas que acompanhavam a equipa e que, perante a evidência pouco mais podiam fazer que calar e aguentar a descompostura.
Este foi só um episódio, dos muitos ao longo da sua carreira, vivido por Humberto no importante dia do seu batismo internacional, aquele menino que tive o privilégio de conhecer quando tinha 18 anos agora chegou aos 75. A idade é só um número e três quartos de século não é nada, espero e desejo que seja só o começo duma nova vida com boa saúde e muito golfe.
Parabéns, campeão!