Horta cansado de esperar
Se a transferência falhar a culpa será de quem não percebe que o ‘preço justo’ é estabelecido pela qualidade do praticante e não pelo local do seu nascimento
COM o primeiro exame cada vez mais próximo é natural que cresça o nervoso miudinho entre os adeptos benfiquistas, entusiasmados pelas coisas novas que o treinador alemão lhes tem oferecido, mas naturalmente preocupados com os imponderáveis que nunca avisam quando aparecem. Penso, porém, que nem as previsões mais pessimistas ousam admitir que o Benfica não passe com boa nota a 3.ª pré-eliminatória da Liga dos Campeões, em função da fraca cotação do opositor que lhe caberá defrontar, mas, seja ele qual for, convém estudar bem a matéria porque existe sempre o perigo real de um PAOK ou um Krasnodar se intrometerem no caminho e devastarem as esperanças depositadas numa época de mudança, significando essa mudança uma espécie de regresso ao passado, ao período dourado que permitiu à águia, durante pelo menos três décadas, ser visita de casa da elite do futebol mundial.
O último teste antes do primeiro jogo a sério está marcado para esta noite diante do Newcastle, na Eusébio Cup. Estádio cheio para a cerimónia de apresentação da equipa aos sócios, em ambiente de forte coesão e em que volta a sentir-se uma força de acreditar como há muito não se verificava. Depois de três anos de estagnação e de causas perdidas, o universo encarnado respira fundo e desfruta o prazer da aragem que lhe anuncia o começo de novo ciclo na história do clube.
Na primeira e única conferência de Imprensa desde que chegou a Portugal, Roger Schmidt teve a ousadia de afirmar que os clubes partem todos do zero e que, em relação a ele, a única pressão é mostrar aos seus superiores que fizeram uma boa escolha. É um alemão a falar, alheio à lusa maledicência de bairro e concentrado no que é verdadeiramente importante: construir uma equipa lutadora e ganhadora.
SCHMIDT assumiu todas as dores da Administração e aceitou a responsabilidade pelas decisões sobre a redução do plantel. Já se sabe quem fica e quem sai, sendo certo que, nas dúvidas restantes, eventuais entradas dependerão de eventuais saídas. É o que falta para completar a primeira etapa do processo de transformação de um plantel envelhecido, desvalorizado e desequilibrado, ao misturar-se gente aburguesada, que já se considerava parte da mobília, com gente vulgar, contratada de forma avulsa e sem critério.
Os problemas são muitos e têm de ser resolvidos com a firmeza e elevação que o bom nome do clube recomenda. Neste sentido, pelo que li, o Benfica acordou com Pizzi os termos de uma desvinculação digna para as duas partes: o jogador pode continuar a sua carreira sem prejuízos financeiros, pelo contrário, e o clube abre vaga, se quiser, para um elemento mais jovem e que se enquadre na linha de pensamento do novo treinador. Ficaram todos beneficiados, como deveria acontecer sempre.
UMA equipa de topo não se forma de um dia para o outro. Vai-se construindo, de acordo com as ofertas de mercado e das disponibilidades para aceitá-las. No entanto, parece-me que, dado o primeiro passo, com a seleção feita por Roger Schmidt, é preciso dar o segundo, com celeridade mas sem precipitação.
Sobre o assunto já li e ouvi incontáveis opiniões e também já expressei a minha não sei quantas vezes, neste espaço e em A BOLA TV. E mantenho: construir uma equipa para competir ao mais alto nível é complexo, demorado e evolutivo, em que completada uma fase se sucede a seguinte e por aí adiante.
No Benfica de Rui Costa, creio que pode dizer-se assim, a árdua empreitada está em marcha e, entre o que já se concretizou e o muito que ainda está por fazer, penso que sugere a inteligência estabelecer prioridades e dentro desta linha de raciocínio refugio-me no texto assinado pelo jornalista João Bonzinho, diretor de A BOLA TV, acerca do que faz falta ao Benfica com caráter de urgência, elegendo três contratações : de um Sangaré, um Ricardo Horta e um Darwin.
Escreve ele: «Um médio, alguém para a esquerda do ataque e um homem capaz de fazer esquecer Darwin. É muito? Depende do ponto de vista: e do dinheiro, claro…»
COM a defesa estabilizada e os restantes setores retificados e melhorados, sim, é verdade, o caminho é por aqui. O primeiro é demasiado caro, mas uma alternativa em conta será viável a curto prazo, e o terceiro não tem réplica fiel à vista. Quanto ao segundo está cansado de esperar, decidam-se. Caro? Nas últimas cinco épocas, ou seja, desde 2017/2018, só em jogos do campeonato, Ricardo Horta apontou 59 golos. Na Liga portuguesa ninguém se lhe equipara em idêntico período. Se fosse brasileiro, alemão, neerlandês ou inglês o preço reclamado pelo SC Braga seria considerado razoável e nem suscitaria discussão. Acertavam-se os pormenores e Ricardo Horta já estaria a trabalhar no Seixal. Como tem o azar de ser português passa a ser caro e o Benfica não avança sem antes ter o descontinho da ordem.
«Ricardo Horta é muito bom e pode ser muito útil», foi Roger Schmidt o autor desta declaração. Mais palavras para quê? Se a transferência falhar a culpa não será de António Salvador, mas de quem não é capaz de perceber que o preço justo é estabelecido pela qualidade do praticante e não pelo local do seu nascimento.