Hora da ressurreição, Jesus
A Champions é a ovelha negra da carreira do treinador do Benfica. É mais que tempo de corrigir essa falha embaraçosa
MOSCOVO, capital do império russo versão Putin, recebe um Benfica desejoso de voltar à Liga dos Campeões após ausência de um ano por culpa de Abel Ferreira. Para Jorge Jesus, é hora de ressurgir como os benfiquistas o conheceram entre 2009 e 2015: dominador, audacioso, intenso, capaz de impor as suas ideias e o seu futebol entusiasmante em qualquer estádio perante qualquer equipa. Enfim: tudo o que o Benfica não foi na época passada, apesar do enorme buzz que rodeou o regresso do treinador, apesar dos reforços, apesar das promessas. Toda a gente, a começar pelo presidente Rui Costa, reconhece que o Benfica não pode falhar outra vez a qualificação para a Champions (acima de tudo por motivos financeiros) e o próprio Jesus sabe que não lhe aceitariam um segundo fracasso nesta fase. «Estou otimista», disse Rui Costa à chegada a Moscovo. Em teoria, tem alguns motivos para isso. Para começar, o Spartak Moscovo parece um adversário acessível: não se lhes viu nada de especialmente inquietante nos jogos que fez sob o comando de Rui Vitória e não custa admitir que o plantel do Benfica, em termos de qualidade, está muito melhor apetrechado. Acresce que o sorteio também foi simpático para o play-off: o vencedor desta eliminatória discutirá o acesso à Champions com os holandeses do PSV Eindhoven ou os dinamarqueses do Midtjylland. Nenhum tubarão, portanto, embora convenha precisar que o Benfica também não é. Ainda em relação ao Spartak. Os russos têm uma vantagem: Rui Vitória, que tem 40 jogos em competições europeias (13v-9e-18d), conhece muito bem o Benfica, os seus pontos fortes, as suas fragilidades. Parto do principio que Jesus, 131 jogos em competições europeias (63v-27e-31d), estudou ao pormenor o Spartak para não ser surpreendido como na final de há um ano, em que foi visível que o PAOK de Abel Ferreira tinha preparado melhor o jogo. Já agora: contra equipas russas o Benfica tem um registo equilibradíssimo: 8 vitórias, 4 empates, 8 derrotas e 24-24 em golos.
É claro que para justificar o otimismo de Rui Costa, o Benfica precisa de jogar bem mais do que aquilo que tem jogado com Jesus. Já escrevi e disse várias vezes n’ A BOLA TV que não se viu neste último ano o Jesus normal, isto é, o Jesus do Flamengo, o Jesus do primeiro ano do Sporting, o Jesus da primeira passagem no Benfica, o Jesus do Braga. Aquele treinador capaz de, num par de meses, pôr qualquer equipa a jogar o futebol intenso, dinâmico e trepidante que é sua imagem de marca. Não sei o que tem falhado neste regresso à Luz, mas percebe-se que a química que produziu o casamento quase perfeito de 2009 não se repetiu e será, porventura, irrepetível. Os clubes mudam, as pessoas mudam e, acima de tudo, as circunstâncias mudam. Uma década em futebol é muito tempo. Nada é igual tantos anos depois. Sobretudo quando já não há Luisão, Maxi, David Luiz, Coentrão, Javi Garcia, Ramires, Aimar, Di María, Salvio, Gaitán, Cardozo, Saviola, Nuno Gomes. Quem diz que o Benfica, como na época passada, tem um plantel de luxo, devia lembrar-se destes nomes e acrescentar um asterisco: para o futebol que temos. Sem esquecer o seguinte: mais do que ter um plantel com jogadores de qualidade e diversidade de soluções (que o Benfica indiscutivelmente tem, pelo menos no papel), o essencial é ter uma EQUIPA. Um bloco coeso, sólido e coerente. É nisso que Jesus tem falhado. Ao fim de um ano o Benfica ainda não é um corpo. Continua a ser uma soma de partes.
O futebol atual do Benfica está longe do nível padrão da Champions e às vezes vezes faz-me confusão ler e ouvir pessoas a falar deste Benfica como se fosse o Benfica europeu dos anos sessenta-oitenta. Não é. Há muito tempo que o Benfica deixou de ser uma potência europeia onde conta: no relvado, nos desempenhos, nos resultados. Pode soar estranho, mas as pessoas que viram as gloriosas finais de Berna e Amesterdão têm hoje 70/80 anos, ou mais. É claro que a história não se apaga e há feitos que devem ser lembrados e exaltados, nem que seja para mostrar aos jogadores que entram que tipo de clube vão representar. Mas convém não perder o contacto com a realidade. Há um ano, quando o modesto PAOK eliminou o Benfica, nenhum grande jornal desportivo europeu gastou muito espaço com o assunto.
O patamar a que o Benfica quer voltar é, realisticamente, aquele onde se encontra o FC Porto há muitos anos. Para isso é preciso tempo, trabalho, persistência. Continuidade. Rui Costa percebe a importância da Champions porque andou lá a fazer boa figura com o grande AC Milan de Carlo Ancelotti. Jorge Jesus chegou longe na Liga Europa (duas vezes finalista) e ainda mais longe na Taça dos Libertadores, que ganhou. Mas na Champions nunca se deu bem. É mais que tempo de corrigir essa falha embaraçosa no conjunto da sua carreira. Começando já hoje, em Moscovo.
QUEBRAR O ENGUIÇO
AChampions League é a ovelha negra da carreira de Jesus. Ainda não conseguiu afirmar-se nesta competição, facto tanto mais estranho num treinador que tem cinco finais (!) e dois títulos internacionais no currículo. Em nove tentativas, Jesus apenas por uma vez alcançou a fase eliminatória da Champions (2012), caindo nos quartos de final perante o Chelsea, futuro campeão europeu. De resto, oito eliminações, duas delas nas pré-eliminatórias, e seis na fase de grupos, com quatro terceiros lugares e dois quartos lugares significando eliminação também da Liga Europa. Ao serviço de Benfica e Sporting, Jesus soma um total de 55 jogos na Champions (pré-eliminatórias incluídas), com 19 vitórias, 12 empates, 24 derrotas e 65-73 em golos. É tempo de quebrar o enguiço!
2021, ODISSEIA NO ESPAÇO VERDE
Aépoca começa sob o mesmo signo da anterior: verde. A bela e renhida final da Supertaça em Aveiro confirmou, uma vez mais, que o Sporting é mais forte do que o Braga também no aspeto mental e que Nuno Mendes (furacão) e Pedro Gonçalves (virtuoso) são mesmo jogadores de seleção. Quanto a Rúben Amorim, já não pode haver dúvidas. O homem é mesmo special. Em pouco mais de sete meses ganhou para os leões com limpeza cristalina três das últimas quatro competições domésticas (Taça da Liga a 15 de janeiro; Campeonato a 15 de maio; Supertaça a 1 de agosto), ele que, com o Braga, tinha demorado apenas três semanas a ganhar um título (iniciou funções a 4 de janeiro de 2020 com um 7-1 ao Belenenses SAD no Jamor e a 25 desse mês ganhou a final da Taça da Liga ao Porto…). Contra títulos não há argumentos e Rúben já ganhou quatro em ano e meio no futebol profissional. Não pode ser só sorte.
Quanto a Frederico Varandas, eleito presidente do Sporting a 9 de setembro de 2018, completou em Aveiro o pleno de títulos domésticos no futebol e acumula uma mão cheia deles (cinco!) em pouco mais de três anos de consulado. Para ele e para os adeptos este ano de 2021 está a transformar-se numa odisseia inesquecível, tanto são os títulos e momentos de glória a nível nacional e internacional (vários campeonatos e taças, duas champions) vividos por atletas sportinguistas em diversos palcos e modalidades, sem esquecer aqueles que, em Tóquio, ganharam para Portugal duas medalhas olimpicas.
Não sei se 2021 será o mais brilhante dos 115 anos de história do Sporting Clube de Portugal, mas tenho a suspeita (cada vez mais forte) de que sim, que é. Motivo para saudar nestas colunas a ressurreição de um gigante adormecido cuja importância na história do Desporto nacional foi sempre indiscutível.