Hoje é o dia C... de campeão
Não é inédito, mas é raro, um campeonato chegar à última jornada e decidir, no último dia, o campeão. Para quem gosta, a sério, de futebol é um privilégio e para os adeptos dos dois clubes que ainda discutem o título, uma quase insuportável ansiedade.
Não deixa de ser curioso como o futebol nos explica, às vezes tão claramente, o comportamento humano. Como aquilo que alguns julgam ser um simples jogo, se transforma num fenómeno sociológico de tamanha intensidade que desfoca a realidade, alterando e subvertendo a lógica da verdadeira dimensão e importância das coisas.
Repare-se: no tempo presente, o dia de hoje é considerado fundamental para benfiquistas e portistas. Dir-se-ia, quem tivesse vivido toda a vida em Marte e chegasse, hoje, a terras portuguesas, um dia essencial, ao qual se poderia chamar o DIA C, de Campeão. Seria inevitável, caso houvesse, desses presumíveis marcianos, algum entendimento sobre a condição humana dos terráqueos, pensar-se que ser campeão, hoje, aqui e agora, seria algo de vital, um momento fundamental da História, um tema central da vida dos portugueses, um momento crucial do país e, por isso, assim vivido com intensidade e paixão.
Porém, se nos conseguirmos abstrair da relatividade temporal do dia de hoje e deste preciso e particular título de campeão nacional de futebol, haveremos de perceber, da forma mais fria e pragmática, que o que está em causa nessa dúvida existencial que perturba e inquieta o país, é, apenas, sabermos se o Benfica conquista o seu 37.º título, ou se o FC Porto consegue o seu 29.º triunfo na prova.
Algo que acontece 37 vezes na vida de um clube de futebol ou, mesmo, 29 vezes, não se pode considerar decisivo para qualquer futuro, nem determinante para mudar a sua História. Porém, o futebol vive da intensidade do momento e as vitórias, por efémeras que sejam, quando acontecem, são festejadas com a exuberância própria de um momento único e irrepetível.
Como, certa vez, Saramago disse a Luís Figo, num momento de consagração universal do jogador, o pior de qualquer grande vitória no futebol é ser transitória, nunca eterna, mas o melhor é que uma derrota, também não.
Sabendo disso ou, melhor, tendo consciência dessa precariedade no sentimento de vitória ou de derrota dos adeptos de futebol, a verdade é que vitórias e derrotas serão esta noite vividas com a exuberância e paixão de não haver um amanhã.
E isso não é necessariamente mau. A civilização humana, apesar dos extraordinários progressos tecnológicos e dos esforços tecnocráticos, ainda não conseguiu demitir o homem dos seus pensamentos e dos seus sentimentos. Hoje em dia, o futebol será dos poucos acontecimentos sociais que desperta verdadeiras paixões, e também o seu oposto, traz, ao ser humano civilizado, uma mensagem de uma (ainda) necessária vida animal, de uma certa qualidade de ser instintivo, de capacidade de observação sensorial, de despertares emocionais, de regressos, enfim, à velha tribo.
Do ponto de vista antropológico e sociológico não existirão melhores matérias para estudo e compreensão do homem de hoje. O futebol, que muitos diabolizam e subvertem nas suas essenciais virtudes, atingiu um patamar de curiosa mas indiscutível essencialidade na vida moderna. Quanto mais não seja, porque incita à associação numa lógica de sociedade que divide e separa, que uniformiza na individualidade, que projecta o egoísmo como uma virtude no caminho para o sucesso.
Hoje, o caminho para o sucesso passa pela Luz e pelo Dragão. O país real espera por conhecer o lugar onde se soltarão os fogos.