Histórias para o Intervalo
Neste tempo de intervalo e expectativa, sem jogos, enquanto tudo não volta ao normal, vou aqui neste espaço recordar histórias que escrevi ou li por aí.
Como nas Mil e uma Noites, e no Decameron de Giovanni Boccaccio, voltar às histórias enquanto temos de ficar em casa.
Aqui seguem para começar, três histórias de um livro da minha série O Bairro - O senhor Brecht. Uma certa ironia e um certo humor negro; entrar na política que se preocupa com os problemas da cidade e não com a algazarra.
Uma homenagem ao escritor e dramaturgo alemão Bertolt Brecht (1898-1956).
Um país agradável
1 - Era um país muito agradável para viver, mas as pessoas eram tão preguiçosas que quando o presidente ordenou que defendessem as fronteiras, eles bocejaram. Foram invadidos.
Os invasores também começaram a ficar preguiçosos e, um dia, quando o novo presidente ordenou que os homens defendessem as fronteiras, todos bocejaram. Foram de novo invadidos. Agora por homens vindos de um outro país.
Mais uma vez os invasores em pouco tempo ficaram preguiçosos, e quando pela terceira vez um novo presidente ordenou que os homens defendessem as fronteiras, todos bocejaram. Mais uma vez foram invadidos. O país estava cada vez mais populoso.
Tal repetiu-se até que todos os povos - mesmo os que vinham do outro lado do globo - haviam já invadido aquele país, e depois, sucessivamente, sido invadidos. Já não havia gente em mais nenhum lado: concentravam-se todos naquele país agradável.
Foi nessa altura que o novo presidente ordenou a invasão do resto do mundo pois o mundo estava completamente vazio - à sua mercê, portanto. Porém, todos os homens bocejaram.
E então ele (sem o notar) avançou, sozinho.
O homem mal-educado
2 - O mal-educado não tirava o chapéu em nenhuma situação. Nem às senhoras quando passavam, nem em reuniões importantes, nem quando entrava na igreja.
Aos poucos a população começou a ganhar repulsa pela ndelicadeza desse homem, e com os anos esta agressividade cresceu até chegar ao extremo: o homem foi condenado à guilhotina.
No dia em questão colocou a cabeça no cepo, sempre, e orgulhosamente, com o chapéu.
Todos aguardavam.
A lâmina da guilhotina caiu e a cabeça rolou.
O chapéu, mesmo assim, permaneceu na cabeça.
Aproximaram-se, então, para finalmente arrancarem o chapéu àquele mal-educado. Mas não conseguiram.
Não era um chapéu, era a própria cabeça que tinha um formato estranho.
O desempregado com filhos
3Disseram-lhe: só te oferecemos emprego se te cortarmos a mão. Ele estava desempregado há muito tempo; tinha filhos, aceitou.
Mais tarde foi despedido e de novo procurou emprego.
Disseram-lhe: só te oferecemos emprego se te cortarmos a mão que te resta.
Ele estava desempregado há muito tempo; tinha filhos, aceitou.
Mais tarde foi despedido e de novo procurou emprego.
Disseram-lhe: só te oferecemos emprego se te cortarmos a cabeça.
Ele estava desempregado há muito tempo; tinha filhos, aceitou.