Hennessey
O holocausto foi tão horrível que me parece quase sempre um bocadinho inacreditável. Sempre que leio um livro ou uma reportagem sobre o tema, ouço um testemunho, vejo uma imagem daquele genocídio é-me tudo de tal forma impensável que me parece uma coisa nova por mais que a saiba de cor, tudo continuamente ficcionado por mais que o saiba realidade. E mesmo quando pisei um daqueles campos de loucura - e só o fiz uma vez, em Sachenhausen, nos arredores de Berlim - entrei e saí de uma nuvem, tive de fazer um esforço para segurar na mente a certeza daquela aberração, para impedir o cérebro de tomar o horror por ficção.
Esta semana o galês Wayne Hennessey, guarda-redes do Crystal Palace, foi ilibado pela federação inglesa depois de fotografado a fazer uma saudação nazi num bar. O mais espantoso, porém, foi a justificação para a ilibação dada pela FA: «O senhor Hennessey, quando interrogado, revelou considerável, poderíamos dizer lamentável, nível de ignorância sobre tudo o que relacionado com Hitler, o fascismo e o regime nazi. Correndo o risco de paternalismo, o senhor Hennessey faria bem em familiarizar-se com acontecimentos que continuam a ter grande importância para quem vive num país livre».
Acontece-me raramente considerar que alguém é tonto e depois manter a opinião de que esse alguém, sim, é mesmo tonto em todo o caso por razões diferentes das que eu previra. Hennessey, porém, não é ingénuo pela saudação, é-o por nem saber o que é essa saudação!
Noutros casos, como os inclusivamente previstos pelo Código Civil português, «a ignorância ou má interpretação da lei não justifica a falta do seu cumprimento nem isenta as pessoas das sanções nela estabelecidas», mas eu, com sinceridade, se fosse Henessey preferia ter cometido um erro e ser castigado do que levar este raspanete público da federação inglesa. Inacreditável.