Há novidades?

OPINIÃO03.05.202107:00

Não sei por onde vais, não sei para onde vais, sei que não deves ir por aí. E então alguém gritou: «Já chega, Pedro!»

HÁ novidades? Não (respondo ao homem de máscara), 2021 continua parecido com os anos 80 e 90 do século passado. Que se passava nessa altura? Nada de especial (digo ao senhor que arrasta os pés como um moribundo), foi uma fase em que se alguém não era por vocês era contra vocês e, por isso, havia quem lhes desse umas caroladas. Ai é? Sim (confirmei ao octogenário), mas o líder não batia: mandava bater. Como assim? Bom (argumentei ao homem de barriga proeminente), era quase como se estivéssemos em Nápoles: havia quem desse a ordem e quem sujasse as mãos. Humm, não acredito nessa tese. Claro que não (concordei com o senhor acompanhado por um homem alto e largo), quem bateu nunca diz que bateu e quem mandou bater nunca diz que mandou bater. Isso é verdade! Claro que sim (concordei com o idoso), ainda agora se viu. Mas aconteceu alguma coisa agora? Sim (informei o senhor de olhar de goraz), alguém que trabalhava foi impedido de continuar a trabalhar. Mas porquê? Você estava lá (informei o senhor que intimida como quem respira) e sabe muito bem o que se passou. Não vi nada. Pois claro (declarei ao longevo que gosta de declamar poesia), deve ter passado uma sombra à sua frente no momento em que tudo se passou. Sim, não vi nada parecido com o que dizem que aconteceu. Mas aconteceu (esclareci o ancião de papos no pescoço), pois alguém fazia o que podia fazer e foi, por isso e só por isso, impedido, à força, de o continuar a fazer. Não me diga que desconfia de mim? Claro que não (disse ao anoso), quem impediu o trabalhador de continuar a trabalhar não foi você, isso é tão óbvio que nem La Palisse teria a ousadia de o contradizer. Se não fui eu, quem foi? É a isso que chamam ironia, não é (questionei o provecto). Talvez, mas responda, por favor: quem foi? Alguém que apenas quis agradar-lhe (retorqui ao homem que nunca anda sozinho). A mim? Sim (admiti perante o senhor de pálpebras semicerradas), o seu poder é tão grande junto daqueles que o veneram que basta um piscar de olhos para que algo aconteça. Está a insinuar que mandei a pedra e escondi a mão? Não (discordei do irritado macróbio), digo apenas que você está tão rodeado de acéfalos e bajuladores que alguns conseguem ler-lhe os pensamentos mais profundos. E isso é mau? Ler os pensamentos, claro que não (concordei com o irónico vetusto), mas ler pensamentos é uma coisa, agredir é outra: intolerável. Mas não fui eu, repito; não vi, não fiz, não intimidei, não pressionei, não nada. Claro que não (concluí perante o antiquíssimo), até deve ter dito, com olhos doces, ao agressor que pensava não ser filmado: Não sei por onde vais, não sei para onde vais, sei que não deves ir por aí. Exato (disse o velhinho de máscara enquanto alguém gritava: já chega, Pedro).