Há leão!

OPINIÃO21.12.201803:00

Continuar a querer-se discutir Marcel Keizer por comparação com José Peseiro é um infeliz exercício, muito demagogo, inconsequente e disparatado. Ouço quem comente o Sporting de Keizer lembrando, sucessivamente, o que Peseiro não teve. Não sei se o objetivo é o de minimizar eventuais méritos do treinador holandês ou o de continuar a questionar a escolha do presidente do Sporting. Em qualquer caso, um absurdo.

Fui eu próprio muito crítico da forma como o presidente leonino se distanciou, desde o início, do então treinador da equipa e muito especialmente da forma como anunciou e preparou o despedimento de José Peseiro. Tinha Frederico Varandas obviamente todo o direito de substituir o treinador, mas não lhe ficou nada bem tê-lo feito do modo como o fez. Ponto.

Além disso, é evidentemente verdade que José Peseiro encontrou no Sporting circunstâncias muito desfavoráveis: a já de si frágil condição de treinador contratado por um presidente temporário; o conflito com um peso pesado e influente como é Nani, e praticamente sem ter tido jogadores tão essenciais como são Jeremy Mathieu e, sobretudo, Bas Dost!

Peseiro enfrentou maré demasiado agitada, num clube que não lhe oferecia realmente condições de estabilidade. Mas o que tem o holandês Marcel Keizer a ver com isso? Nada. Rigorosamente nada!

Poderia Keizer ter a desvantagem de não conhecer a realidade do nosso futebol mas teria sempre seguramente a vantagem de estar descomprometido com uma certa realidade do próprio Sporting e se alguma coisa o Sporting visivelmente poderia precisar era de eventuais ligações a quem não se sentisse e qualquer modo emocionalmente ligado ao que tinha sucedido no clube na parte final da última época.

Refletindo melhor agora, e com a indispensável distância dos acontecimentos, talvez se possa realmente concluir que qualquer que fosse o treinador português teria no Sporting a tentação de procurar resolver os mais complexos problemas emocionais do clube. Para um treinador estrangeiro, a fórmula seria aparentemente bem mais simples. Ou seja, Marcel Keizer não é um treinador que venha procurar curar o Sporting, mas um treinador para treinar a equipa e pô-la a competir da melhor forma possível. É o que o treinador holandês tem feito.

Não está agarrado a qualquer estigma do passado; nem tem de dar importância aos acontecimentos de Alcochete, por mais dramáticos que possam ter sido - e foram. Nem precisa, pelo menos por agora, de se preocupar demasiado com a personalidade deste ou daquele.
Chega com uma mensagem simples, uma linguagem simples, uma filosofia simples. E ganha. E enquanto ganhar, receberemos essa simplicidade toda com uma vénia. E quanto mais ganhar mais seremos forçados a reconhecer-lhe capacidade de se adaptar, de compreender, de gerir, motivar e explicar. Por enquanto, não haveria muito por onde se complicar o trabalho de Keizer no Sporting.

Começou por contar com adversários mais ou menos acessíveis, somou vitórias, deu confiança, limpou a cabeça da equipa, fê-la respirar outro ar, deu espaço a jogadores como Wendel e Diaby, por exemplo, e dispôs de um Mathieu que é só o melhor central e um dos patrões da equipa, mais um Bruno Fernandes a sentir-se de novo especial e um Bas Dost que é, em absoluto, o melhor ponta de lança da nossa Liga.
O que poderia ter falhado com o sueco Eriksson quando, há quase 40 anos, chegou para treinar o Benfica? Pouco, também muito pouco.
Porque o futebol é mesmo assim, os jogadores gostam de quem lhes diga muito em poucas palavras e por regra os estrangeiros não precisam de muitas palavras para dizer muito, o que no futebol, como se sabe, é tão importante como simples é a linguagem do próprio futebol.
Por isso, e com todos os méritos técnico-táticos que o treinador Marcel Keizer possa realmente ter, o que me parece fazer deste leão um leão diferente e bastante mais feroz é muito mais a alma e a cabeça do que os pés e a tática. O que não deixa de ser fruto do trabalho de Keizer e sua equipa.

Quanto ao jogo do Sporting, duas ideias: procura construir com o mínimo risco de perder a bola e por isso evita lançar-se em vertiginosas e mais arriscadas transições; mas, querendo manter a bola, procura jogá-la a um, dois toques, mantendo mais jogadores mais próximos uns dos outros, até de modo a envolver no ataque jogadores suficientes para ter, pelo menos, duas alternativas de finalização.

Keizer quer ainda, além da dinâmica, bom ritmo. Mas, sobretudo, inteligência, impondo ao jogador que tem a bola que, em determinadas circunstancias, pense realmente melhor antes de se desfazer dela para não correr o risco de a desperdiçar numa situação de evidente desvantagem para o adversário. Um exemplo? Para quê passar a bola a um companheiro sob pressão quando o que o jogo exige é exatamente maior capacidade tirar a bola das zonas de pressão?

Outro exemplo da orientação com que o trabalho de Keizer parece cuidar dos detalhes: a forma como a equipa procura, mais uma vez, não desperdiçar a bola nos lançamentos laterais. É realmente irritante (no mínimo é irritante) ver uma equipa perder muitas vezes a bola na sequência de lançamentos laterais a favor. É irritante e não se compreende. E este Sporting parece preocupar-se com isso.

Há, pois, leão, há um leão naturalmente mais confiante porque as vitórias são, na verdade, a melhor vitamina que há no futebol, mas há também um leão mais equilibrado a competir, mais envolvente a atacar e mais feroz na atitude. Dois ou três reforços em janeiro poderão candidatar seriamente o Sporting de Keizer a muito mais do que ao papel de paciente em convalescença que lhe parecia destinado quando arrancou a época.

Por último, mas nem por isso assim tão menos importante, creio não poder deixar de considerar resultado de um corporativismo saloio e de um nacionalismo absolutamente inaceitável essa espécie de velada critica ao currículo e competência de Marcel Keizer como se Marcel Keizer fosse um treinador menos apropriado para um dos grandes clubes portugueses só porque é um treinador estrangeiro.
Deviam esses inenarráveis defensores dos treinadores portugueses pensar na competência com que muitos treinadores portugueses desafiam o futebol de outros países e procuram legitimamente verem-se defendidos e não se sentirem tão estrangeiros no futebol desses outros países.
Nunca devemos fazer aos outros o que não gostamos que nos façam a nós.
Ou aos nossos!

ALÉM da vitória, porque vencer é sempre uma boa notícia, parece-me que a única outra boa notícia que o triste Benfica trouxe de Montalegre é a crescente recuperação de um jovem jogador muito talentoso como é Krovinovic, de quem o Benfica está a precisar cada vez mais tendo, sobretudo, em conta o decrescente rendimento de Pizzi.

Krovinovic e Zivkovic serão, nesta altura, os dois melhores médios interiores do Benfica. E se quer o Benfica que o barco vá continuando a manter-se à tona então talvez o melhor mesmo seja apoiar-se no croata e no sérvio para o trio do meio-campo.
Apesar dos sucessivos triunfos, parece mais ou menos evidente que a previsão do tempo para o lado da Luz não é propriamente soalheira. E nesta altura, parece só haver mesmo um remédio: ganhar, ganhar e ganhar.
E não cura tudo!

DUAS outras notas ainda de rodapé sobre o que se vai passando no futebol, apesar de serem duas notas bastante menos de rodapé do que podem, à primeira vista, parecer:


- No primeiro ano, houve a atenuante de se tolerar mais erros de arbitragem e videoárbitro exatamente porque era o ano de estreia. Mas agora, com a tolerância a diminuir drasticamente, como reagir? Ninguém sabe onde isto vai parar...
- José Mourinho deixou o Manchester United e há quem veja nisso uma espécie de vitória, como se pudesse ser visto como um sucesso adivinhar que muita coisa neste Manchester tem tudo para correr mal, para um combatente como José Mourinho ou seja para quem for.
O que parece, ainda assim, mil vezes pior é ir ouvindo por aí comentar-se José Mourinho como se José Mourinho fosse um simples treinador simplesmente despedido. Mas não é. Mourinho já fez tanto e vai, certamente, continuar a fazer muito.
E é só o maior treinador da história do nosso futebol!