Há campeão e não é à condição: [-7 + 28 + 16 = 37]
1 Hoje, o contador da Luz inicia-se com diversas contagens. O título aritmético desta crónica explica-se assim: à 16ª jornada do campeonato ora concluído, o Benfica tinha 7 pontos de diferença. Anulou-os com um total de 28 vitórias em 34 jornadas (82% e 95% na era Lage). E se lhes adicionarmos 16 pontos (que foram os conseguidos nos jogos com o FCP, SCP e Sp. Braga, ou seja 89% dos possíveis), chega-se ao tão desejado 37º campeonato em 85 edições (ou seja 44%, muito perto de metade). Os números são o que são. Não têm ruído de fundo.
Continuando com a aritmética: se somarmos o título nacional nº 37 aos trofeus e títulos conquistados [37(campeonatos)+25 (Taças de Portugal)+ 7 (Taças da Liga)+7 (Supertaças) +2 (Taças dos Campeões Europeus)] temos um total de 115, que é a idade que, em 28 de Fevereiro passado, o Sport Lisboa e Benfica completou, como se pode constatar, seja pela prova dos nove relativa ao nascimento do clube, seja pela prova real dos troféus alcançados.
Além disso, o número 37 do Benfica é primo, ou seja, só é divisível por 1, que simboliza a unidade (e Pluribus Unum) e por si próprio, neste caso em situação única e exclusiva. Também o 37 é igual a (1x4)+(5x3)+(3x2)+(12x1), isto é, um tetra, cinco tricampeonatos, três bicampeonatos e doze títulos separados. Como os conjuntos de campeonatos seguidos incorpora os conjuntos imediatamente inferiores, os 37 conquistados também resultam, parcialmente, de um tetra, seis tris e dez bis.
Não foi só o campeão que voltou. Voltou a década hegemónica, como nos anos 60, 70 e 80. Nos últimos 10 anos, 6 títulos conquistados e nos últimos 6 anos, 5 campeonatos vencidos, tendo sido a única equipa que sempre foi campeã ou vice-campeã, ficando também à frente do seu histórico rival SCP, em todos estes anos.
Nesta década, por muito pouco, o Benfica não foi heptacampeão. Kelvin no penúltimo minuto (aqui seguramente) e Herrera a escassos minutos do fim (aqui provavelmente) impediram os títulos de 2012/13 e 2017/18.
2 Terminado o campeonato, faço sucintamente a minha leitura interpretativa deste meu contador trifásico (Rui Vitória fase I, Rui Vitória fase II e Bruno Lage).
Luis Filipe Vieira viu luzes, teve horas de ponta, puxou do interruptor e liderou com notável eficácia a área das energias renováveis quanto à antecipação estratégica e à renovação geracional. Além disso, aproveitou em plenitude as formas de energia decorrentes da biomassa, como bem evidenciou ao dizer no balneário no fim do jogo da Luz que «fui um gajo com uns tomates muito grandes para tomar decisões», uns segundos antes de ter anunciado a duplicação da massa (monetária) dos prémios dos jogadores.
Bruno Lage foi, acima de tudo, exemplar. Contra a falsa normalidade e os cânones estabelecidos, a sua acção e a sua atitude estão, indelevelmente, gravadas na marca de água deste tão saboroso triunfo. Voltando ao contador trifásico, esteve sempre em alta potência de trabalho, rigor e confiança, sobretudo no regime tarifário de ponta. Fez a segunda melhor volta de um campeonato na história do Benfica, conseguindo em 19 jogos um aproveitamento de 96,5%, vencendo (sempre fora do contador da Luz) ao Porto, Sporting, Sp. Braga, Guimarães, Moreirense e Rio Ave, ou seja, aos clubes que se lhe seguiram na classificação final. O quadro evidencia como, a partir do momento em que foi treinada por Lage, a equipa fez mais 9 pontos do que fez o FCP, 15 do que o SCP e 24 do que os bracarenses. O Benfica alcançou 55 anos depois a marca de 103 golos marcados e, com ele ao comando, houve 12 dos 19 encontros com 4 ou mais golos marcados, entre os quais contra o SCP e o Sp. Braga fora de casa. Mais palavras para quê?
Mas Bruno Lage foi muito mais do que se constata pelo fulgurante desempenho da equipa. Devolveu decência ao futebol em Portugal, foi mais do que um técnico ao comando, seja na sua atitude para dentro, seja na sua relação para fora, pautando-as pela sinceridade, sentido de partilha sem egocentrismos bacocos, sabendo sempre discernir o essencial do pueril, o verdadeiro do fantasioso, o natural do provocatório, a sobriedade do espalhafato, o homem permanente da estrela efémera. As suas palavras no momento do título alcançado são paradigmáticas e despoluidoras: «que seja a reconquista das boas maneiras», «que este título, que estava perdido, seja também a forma de dar mérito a quem ganha. Quando os adversários ganharem, temos de lhes dar mérito. Só assim eles nos darão mérito», «temos de saber tratar os rivais pelo nome», etc.
Manda o dever de gratidão referir igualmente Rui Vitória que deu ao Benfica um tri e o primeiro tetra (em conjunto com Jorge Jesus). Importa registar o modo sempre digno como esteve e como saiu. Todavia, não creio que, com ele até ao fim, o campeonato fosse conquistado.
Agora que a minha ansiedade vai ter um período de merecido repouso futebolístico, não vou hoje falar dos decisivos obreiros desta grandiosa vitória: os jogadores. Ficará para as próximas crónicas. Todavia, não posso deixar de traduzir, no abraço entre Jonas e João Félix aquando da substituição, uma tão simbólica, quanto eloquente e comovente transmissão entre duas gerações separadas por 16 anos de idade e outros tantos de futebol vivido e jogado. Entre os olhos humedecidos de um Jonas muito comovido e o sorriso genuinamente juvenil de um João Félix, entre o perfume de anos grandiosos e convincentes do primeiro e o horizonte tão largo e já seguro de arte e inteligência do segundo, esteve retratada, fielmente, a passagem de testemunho nesta estafeta do Benfica feitas de grandes vitórias e de largas e legítimas ambições.
3 Nada que não se repita, sempre que o Benfica é campeão, mas que, nos tempos de agora em que adversário é (falso) sinónimo de inimigo, se vem acentuando. Refiro-me ao trauma de certas mentalidades doentias e paroquianas que sempre buscam por via das suas toupeiras neuronais descobrir um motivo para empalidecer as vitórias do SLB. Nem vale a pena enumerar as patetices invocadas, apenas dizer que quando são eles a vencer (real ou oniricamente), os títulos são imaculados, incontestáveis, imbatíveis, com a necessária dose de anestesia ou amnésia de certos passados que colocam sempre a zero o contador das malfeitorias.
Os seus arautos não resistem, nem que seja a uma qualquer referência indirecta sobre o outro (leia-se: o Benfica), sempre seccionando nas suas mentes o que se passou. O tamanho e a gravidade da tarja no Dragão revelam a miséria moral dos seus autores e de quem os deixou levar (e que, pelo silêncio, são indigentes cúmplices) para o campo tal espalhafato visual. Aguardo, com expectativa, a determinação (?) dos órgãos disciplinares e não só…
Mais uma vez o Benfica ganha um campeonato com toda a justiça e sem que precise de invocar, seja sob que pretexto for de má-educação, os seus rivais. Para celebrar os triunfos com genuína e transbordante alegria, não houve jogadores a pisar símbolos de outros clubes, não se cantarolou contra ninguém, não houve uma palavra de incorrecção sobre quem não tendo ganho, perdeu. É esta grandeza que eu quero que o meu clube de alma e coração mantenha e reforce. Como disse atrás, Bruno Lage foi o mais lídimo protagonista do modo de como se deve saber ganhar ou perder.