Golo é coisa para gente grande

OPINIÃO21.10.202107:00

Os grandes pontas de lança da atualidade são cada vez mais velhos. Ou será melhor dizer cada vez mais novos?

É quando observamos jogadores como Robert Lewandowski que nos lembramos de como a idade é um posto para quem tem a responsabilidade de marcar mais golos que os outros. A caminho dos 34 anos, o ponta de lança polaco do Bayern que ontem pisou mais uma vez o Estádio da Luz vive o melhor momento da carreira. Há dez épocas consecutivas a marcar mais de 30 golos por temporada em clubes, foi a partir do 30.º aniversário  que subiu de nível: 41 golos aos 30 anos, 40 aos 31, 55 aos 32, 48 aos 33 e em 2021/2022,  até ao início do jogo frente ao Benfica para a Champions, tinha feito 15 golos em 11 partidas.

O atual melhor jogador do mundo (vencedor do prémio The Best, da FIFA) não é exceção, antes a regra. O passado ensina-nos que os goleadores só atingem o planalto numa fase adiantada da carreira. Na elite atual, além do óbvio e exemplar caso de Cristiano Ronaldo, que passou a marcar mais quando se tornou trintão (61 golos aos 30, 51 aos 31, 42 aos 32, 44 aos 33, 28 aos 34, 37 aos 35, 36 aos 36) e do inevitável Lionel Messi (54 golos aos 30 anos, 45 aos 31, 51 aos 32, 31 aos 33, 38 aos 34), temos ainda dois extraordinários exemplos: Benzema, a viver o melhor momento de sempre a caminho dos 34 anos (desde a saída de CR7 de Madrid, o francês assumiu-se como referência de área e habituou-se a terminar as épocas com mais de 30 golos) e Salah, a caminho dos 30 anos e um dos mais fortes candidatos aos principais troféus individuais a curto prazo. 

A história da Bota de Ouro é também um guia: desde 1996/1997 (quando passou a ser organizada pela European Sports Media, grupo do qual A BOLA faz parte), só dois jogadores com menos de 25 anos levaram-na para casa: Ronaldo Fenómeno aos 21 anos (1997) e Cristiano Ronaldo aos 23 anos (2008). Mais para trás, e recordando os outros vencedores portugueses, Eusébio conseguiu-o aos 26 e 31 anos e Fernando Gomes aos 27 e 29.  

A nível nacional, a lógica é semelhante. Nos últimos 20 anos, só um jogador abaixo dos 25 ganhou A BOLA de Prata (troféu atribuído por este jornal para o artilheiro do campeonato): Pedro Gonçalves, na temporada passada. E só mais três com 25 anos arrecadaram-na: Carlos Vinícius, Hulk e Lisandro López. No resto, falou sempre a experiência de raposas de área como Liedson, Cardozo, Jackson Martínez ou Jonas.  

Mais estabilidade emocional, melhor conhecimento do corpo e muitas camadas de conhecimento adquiridas fazem dos pontas de lança experientes um produto apetecível. A lição não é de agora: Manuel Fernandes já afirmou várias vezes que viveu a melhor fase da carreira após os 30. Nos principais campeonatos europeus, casos como os de Jamie Vardy (Leicester, 34 anos), Luis Suárez (Atl. Madrid, 34 anos), Dzeko (Inter, 34 anos), Immobile (Lazio, 31 anos, vencedor da Bota de Ouro em 2020) ou de Ben Yedder (31 anos, Mónaco) são mais provas desta evidência. Pontas de lança como Darwin Núñez, Tiago Tomás ou Evanilson devem, pois, combater os sinais de ansiedade com um olhar sobre o muro: fazer do golo um hábito igual ao de beber um café pela manhã é só para gente adulta. Há tempo para errar e aprender. 

H Á no entanto algo de novo: a longevidade dos futebolistas é cada vez maior. Tal como aconteceu nas sociedades, a esperança média de vida dos jogadores tem vindo a aumentar. Ver Pepe, de 38 anos, a dobrar um lateral de 21, Thiago Silva a vencer a Champions quase a fazer 37 anos ou Modric, de 36 anos, a manobrar o meio-campo do Real Madrid, caminha para a regra em vez da raridade. Não estaremos errados se o fator financeiro ocupar aqui um fator decisivo, o que faz aumentar a desigualdade. Afinal, são os jogadores mais bem pagos do mundo, que gastam fortunas em nutricionistas, maquinaria, treinadores pessoais e processamento de dados, seguidores de uma espécie de ronaldismo. Mas tal como os airbags ou o ABS dos automóveis de topo tornaram-se banais em marcas mais baratas, não faltará até a tecnologia e conhecimento se expandirem para a classe média, o que colocará várias questões ao nível da duração dos contratos, do valor dos mesmos ou como se fará a renovação geracional.