Glória e vergonhas
1 - Aí está finalmente: o muito ambicionado título de campeã europeu de futebol júnior (sub-19, diz-se agora), que o FC Porto andava a rasar há vários anos. É uma imensa e profunda alegria para um clube que assim pode juntar o título de campeão europeu (e mundial) de seniores ao de juniores, coisa que não sei quantos mais ostentarão - mas seguramente, não mais de um ou dois. E é um orgulho incrível para um clube médio de uma pequena cidade europeia, que desde há vários anos conseguiu alcandorar-se a uma posição internacional no mundo do futebol muito acima daquilo que seria a sua condição natural e expectável. Os miúdos do FC Porto seguem os grandes, como representantes do único clube português que verdadeiramente orgulha o nosso futebol e o nosso país, que ousa enfrentar os grandes cara a cara e sem medo e que chega às finais e as ganha. E isso é tão mais notável quando, por comparação com Sporting e Benfica, o FC Porto é o único dos nossos grandes que não dispõe de uma Academia nem de condições semelhantes aos rivais internos. Mas que na hora da verdade faz a diferença. Quase me apetece dizer que basta não haver árbitros portugueses a arbitrar os jogos do FC Porto na UEFA Youth League, e o FC Porto é capaz de se bater com os maiores de igual para igual e até sagrar-se campeão entre todos.
De toda esta alegria e orgulho só me fica, porém, um motivo de consternação e alguma dor de alma, que é fácil de entender: porque razão esta geração de luxo portista, que dura já há um par de anos, não produziu até à data um só jogador que tenha tido lugar no grupo principal do clube? Escrevi isto mesmo há umas semanas atrás, reflectindo sobre a nula utilização de jogadores jovens da cantera portista por parte de Sérgio Conceição. Incapaz, por exemplo, de em dois anos, encontrar um defesa direito decente entre os miúdos, antes preferindo continuar a arrastar Maxi Pereira pelos relvados, aos 36 anos de idade, em sacrifícios penosos de ver. Ou que prefere insistir, insistir e insistir num Fernando Andrade que já provou à saciedade a sua incurável falta de vocação para jogar futebol, em lugar de ir aos miúdos campeões europeus e escolher um de vários talentos de ataque que lá moram. É uma dor de alma saber que ali ao lado mora uma fornada de jovens que são os melhores da Europa e nem um deles desperta o olhar do treinador principal.
2 - Ausente do país em trabalho, fui poupado ao fardo de seguir em directo e em cima as incidências da jornada que terá sentenciado de vez o campeonato deste ano. De regresso, li todos os jornais e análises às arbitragens, fui ver os lances controversos do jogo do Benfica em Braga e os tais 15 minutos finais do FC Porto em Vila do Conde, ditos da vergonha. Começo por aqui.
Vi, de facto, um FC Porto a gerir com normalidade uma vantagem de 2-0, mas nem sequer recuado no terreno e muito menos acossado pelo Rio Ave. É verdade que, como aqui venho acentuando, nesses 15 minutos finais e fatais, percebia-se bem um déficite de controle do jogo na zona central, muito por culpa da prestação menor, e que se vem repetindo, de Danilo. Mas nada de preocupante, até porque o Rio Ave não atacava com perigo e não criava oportunidades de golo. Até que marca o primeiro: um lance bem concluído, explorando uma permeabilidade súbita de todo o sector recuado. E depois, sem nada o fazer prever, aparece o segundo, que é um bambúrrio de sorte que não tem mesmo maneira de ser previsto ou até evitado: um pontapé que iria para a bancada e que toca na canela de Alex Telles, muda de direcção e vai para a baliza, apanhando Casillas em contra-pé. Francamente, sou capaz de acompanhar Sérgio Conceição quando ele diz que o que aconteceu entra no domínio do inexplicável. Tropeções destes, sem razão plausível nem culpa própria que chegue para o justificar, acontecem sempre e já se sabia e todos previram que Benfica e Porto acabariam por tropeçar fatalmente aqui ou ali, nas últimas dez/doze jornadas do campeonato. O que não é normal é que Bruno Lage, sem lhe querer tirar mérito, nas 16 jornadas que leva à frente do Benfica só tenha cedido um empate.
3 - Quanto ao Braga-Benfica, como disse, não vi o jogo, apenas os lances ditos controversos, pelo que aceito como verdade a versão de que o Benfica fez uma grande segunda parte, em que esmagou o Braga. Apenas me custa a entender as explicações que li de que era previsível que o Braga não aguentasse o ritmo que o Benfica iria impor na segunda parte. Como, porquê? Não estamos a falar de uma equipa que não fornece jogadores às Selecções e que passou toda a época dispensado de jogos europeus, dos quais se auto-excluiu? Ó, Professor, como é que justifica a normalidade previsível do estoiro do Braga?
Quanto aos lances, sigo a cronologia. Curiosamente, o primeiro deles - o eventual penalty não assinalado a favor do Braga aos 16’ - sobre o qual todos, ou quase todos, os analistas de arbitragem coincidiram em dizer que era mesmo penalty, é o que me parece mais discutível. Depois, a suposta falta que o Benfica reclamou que teria precedido o lance do penalty assinalado a favor do Braga, vê-se bem nas imagens que não existe sombra dela. Como se vê bem nas imagens (TVI) que o penalty que dá o empate ao Benfica resulta de uma falta clara e dura, assinalada ao contrário: depois de Esgaio jogar a bola, é João Félix quem o atinge por trás, de sola na canela. Era, sim, falta contra o Benfica e cartão amarelo a João Félix: seria o segundo, aos 57 minutos. A mesma expulsão que, obviamente deveria, pelo menos, ter acontecido aos 62 minutos: uma opinião em que também todos coincidem, com a notável excepção de Fernando Guerra que aqui falou antes na «doideira do cerco que está a ser montado para expulsar João Félix». O segundo penalty, que vira de vez o jogo a favor do Benfica, já sabem os meus leitores que aquilo, para mim, não penalty: é bola no braço e não braço na bola. Mas, seja ou não, o facto, chato e incontornável, é que um lance em tudo idêntico, ocorrido 48 horas antes na área do Rio Ave não tinha sido considerado penalty a favor do Porto. Azar, dirão. Pois é, mas imaginem que o azar tem sido ao contrário: o penalty do Porto era assinalado e o Porto fazia 3-0 e o do Benfica não era e ficava 1-1? São subtilezas destas, que decidem campeonatos, que suponho tenha justificado que a direcção portista tenha pedido uma reunião de urgência ao Conselho de Arbitragem. A pergunta que terão feito é óbvia: como se justifica que, na fase decisiva do campeonato, dois árbitros e dois VAR tenham interpretações diferentes sobre um mesmo tipo de lance? Não há uma uniformidade de critérios estabelecida para todos?
4 - Face a tudo que aconteceu em Braga, não posso deixar de me juntar a este jornal para realçar o desportivismo com que os bracarenses encaixaram mais uma tareia do Benfica (dos 27 golos, tão lembrados, que o Benfica tem a mais que o FC Porto, 26 aconteceram em apenas em 4 jogos: 10 deles, na Luz, contra o Nacional; 6 contra aquele acutilante Marítimo da anterior jornada, que fez um remate e para fora em 95 minutos de jogo; e 10 em dois jogos contra o Braga). Mas se alguém esperava ver resquícios do Abel Ferreira que ia partindo a mesa aos murros porque sofrera um golo duvidoso do Sporting ou que ainda há dias, intitulando-se «Professor», se dizia a mais neste sujo futebol, esperou em vão: desta vez, nem uma palavra sobre a arbitragem, só elogios ao «estofo de campeão do Benfica». E as imagens finais das saudações entre Luís Felipe Vieira e António Salvador devem ser mostradas às criancinhas como exemplo de fair-play que eu só posso aplaudir. A mãos ambas.
5 - Uma palavra final que deve ser dita: quem é o Fernando Madureira para se comportar como o dono não oficial do FC Porto? Brincadeiras tipo-Academia de Alcochete, não obrigado. Somos Porto.