Geografia da bola e palete do traje
1Acabaram as competições nacionais, chega a estreante Liga das Nações que a selecção portuguesa tem plenas condições para vencer. Joga em casa, tem os seus melhores jogadores à disposição e, aparentemente, os adversários (a Suíça e, chegando à final, a Holanda ou a Inglaterra) são adversários acessíveis. Confesso, porém, que não me entusiasma muito esta nova taça europeia. O calendário está cada vez mais sobrecarregado, os desafios finais jogam-se com jogadores a pensar no descanso e o entusiasmo (algo forçado) é quanto baste. Digamos que é o correspondente, em termos de clubes, às taças da Liga que, verdadeiramente, só aquecem quando há um jogo entre grandes na fase final. O futebol para ser sempre desejado também tem de nos dar férias, pois que a sua ausência durante algum tempo faz aumentar o desejo do seu regresso. A fartura tem mais inconvenientes do que vantagens.
2Enquanto tal sucede e as notícias e fake news sobre transferências e transumâncias aparecem em catadupa para todos os gostos - havendo até programas televisivos de horas a fio, com os novos profetas das novidades e epifanias, sempre detentores de verdades e contraverdades -, pus-me a pensar no campeonato 2019/2020. Ou melhor no seu atlas geográfico. A alteração é significativa: desceram 3 clubes (um da Madeira, outro de Trás-os-Montes e ainda outro do distrito de Aveiro) e subiram 3 equipas do Norte de Portugal (por via administrativa, o Gil Vicente e, por resultados desportivos, o Paços de Ferreira e o Famalicão).
Em consequência, o campeonato português vai jogar-se apenas em 5 distritos do Continente e nas duas Regiões Autónomas. Desapareceu do mapa da divisão principal, o distrito de Aveiro, com o Feirense a fechar a porta que o Arouca, antes, já fizera, sem esquecer os dantes frequentadores Beira-Mar e Sporting de Espinho e, mais longinquamente, a Sanjoanense e o R. de Águeda. Trás-os-Montes, com a descida do Desportivo de Chaves, não tem representante. A ausência mantém-se em dois distritos que, quase sempre, haviam tido clubes na primeira divisão: Coimbra e Leiria.
O Sul limita-se agora aos 3 clubes de Lisboa, Vitória de Setúbal e Portimonense. Viajando da capital para o Norte, só muito mais acima encontramos o resistente Tondela do distrito de Viseu. As outras 10 equipas continentais concentram-se agora apenas no distrito maioritário Braga (6) e no Porto (4). No distrito minhoto, seis clubes - ou seja 1/3 dos competidores - estão concentrados numa pequena área geográfica (Sp. Braga, Vit. Guimarães, Moreirense, Aves, Gil Vicente e Famalicão). E se alguns distritos do nosso país jamais tiveram um representante (Viana do Castelo, Guarda, Bragança e Beja), ou o tiveram há muitos, muitos anos, como Santarém (através do União de Tomar) Évora (com o velhinho Lusitano Ginásio Clube) e Castelo Branco (através do Sp. da Covilhã), o que agora se torna significativo é o facto de o litoral entre Lisboa e Porto não estar representado na 1ª divisão!
Por simplificação de raciocínio há quem logo decrete, neste desequilíbrio, mais facilidade desportiva para o Porto (e até para o Sp. Braga), em relação aos rivais de Lisboa. No entanto, creio não ser demonstrável tal postulado, havendo até recentes estatísticas que o negam. Por exemplo, os portistas normalmente passeiam em jogos amigos em Setúbal, Portimão e, agora, Jamor (Belenenses SAD), mas têm sempre mais dificuldades em clubes vizinhos desde o Boavista, ao Vitória de Guimarães, ao Paços de Ferreira, Moreirense e Rio Ave. Com o campeão Benfica, verificou-se este ano que dos 8 pontos perdidos fora de casa, só 2 foram a Norte (em Chaves) e os outros foram a Sul (Portimonense e Belenenses SAD). Já o vice-campeão FCP perdeu 9 pontos com equipas do Norte (V. Guimarães, Moreirense, Rio Ave) e só 2 pontos a Sul (contra o Sporting), para além das duas derrotas com o Benfica.
3Está a chegar o momento de os clubes anunciarem os novos equipamentos, sobretudo, os alternativos. Tão alternativos que, por regra, nada têm a ver com a tradição e a memória dos clubes. É o resultado do tecnocraticamente apelidado merchandising. A cor e as cores, evidentemente, fazem parte da festa do futebol. E há-as para todos os gostos, por cá e lá por fora. Frias e quentes. Agressivas e suaves. Fortes e pálidas. Presentes e fugidias. Começa até a haver dificuldade na inovação, embora ainda haja na paleta cores como o anil, o ocre, o magenta, o rosa-velho, o brique (antes modestamente cor de tijolo), a cor de sépia do saudosismo fotográfico, ou até essa cor quase sem cor que é a cor de champanhe, para já não falar da cor-do-burro-quando-foge…
Mas, no futebol, tanta variação faz-me confusão. É a cor do dinheiro a esmagar cada vez mais o valor da cor. Por vezes, dou comigo a fazer zapping e a passar por um jogo na televisão de um campeonato estrangeiro, seja na Inglaterra, Espanha ou Itália e demoro a perceber quem está a jogar tal a mudança radical do equipamento usado face ao historicamente associado a um determinado clube. Nem sempre a moda tem consistência lógica. Por vezes, chega mesmo a afrontá-la.
Falando do meu Benfica e desde que o primado do tal merchandising vingou, houve neste século variedade em profusão da segunda vestimenta (não) encarnada. Desde o rosa Palermo, ao laranja reflector, ao cinzento pardo, ao dourado inconsequente, ao amarelo amarelento, ou ao bege tipo café com leite ou a outras colorações que nem sei classificar, foi um fartote.
Felizmente nos últimos tempos, estancou-se esse delírio cromático. Sempre apreciei a estabilidade simbólica, como um dos alicerces da perenidade de uma instituição popular. O que é fundacional deve ser protegido. As cores do SLB são o vermelho, o branco e o preto. Ponto final. Com diferentes combinações das três cores, podem conceber-se muitos e pulcros segundos equipamentos. Como, por exemplo, na época agora finda, o de camisola branca e calções pretos (só foi pena as meias não terem sido vermelhas). Se necessário, poderá ainda juntar-se uma cor derivada do vermelho, que o Benfica usou na Europa: o grená.
Se tivesse de responder à pergunta de qual o equipamento alternativo que gostaria que fosse o da próxima temporada, insistiria na combinação das nossas três cores, mas trocadas: camisola preta, calções brancos e meias vermelhas. Há dias foram tornados públicos os novos trajes desportivos. Quanto ao principal, poucas novidades como é óbvio, mas preferiria que a camisola tivesse mais encarnado e menos branco, como bem aconteceu em 18/19. Diria até que deveria ser 100% vermelha. O branco está nos calções. Quanto ao alternativo, não me desagrada, mas lá voltamos às cores intermédias, que não são carne, nem peixe. A camisola é em tons cinzentos - cor que, em geral, é tristonha, fria e distante - com apontamentos que andam algures entre o vermelho e o rosa. Enfim, retorno financeiro oblige… O melhor nos novos equipamentos, porém, é o símbolo de campeão nacional, que volta em força com o 37. Em qualquer caso, seja qual for o equipamento, o que verdadeiramente conta é o amor à camisola e ao vermelho ou encarnado incomparável com todos os vermelhos que se vêem pelo mundo fora.