Futebol português, que futuro?

Futebol português, que futuro?

OPINIÃO25.03.202305:30

A excelência, sendo sempre extremamente difícil de alcançar, está disponível para toda a gente

C OM a primeira convocatória de selecionador nacional de futebol, Roberto Martinez, permitam a um ex-treinador profissional de basquetebol opinar acerca do futuro que visiono para o futebol português. No fundo, Pensar e Intervir como um Treinador!

Antes de tudo o mais, o futebol português do futuro necessita saber colocar-se acima das suas individualidades e procurar que o seu todo seja maior que a soma das partes. Temos individualidades a nível europeu e mundial no que respeita a jogadores, treinadores, árbitros e dirigentes, mas em termos coletivos, necessitamos saber utilizar coletivamente todas estas referências ao serviço do desenvolvimento futuro do futebol português.

Como seres humanos, jogadores, treinadores, árbitros e dirigentes são aquilo que os hábitos previamente adquiridos lhes permitem, nomeadamente sob a pressão dos resultados e das exigências das grandes competições. Impõe-se assim, preparar novas gerações, obviamente versáteis e criativas, que possam contribuir para um futuro quanto possível melhor. Capazes de interpretar e ultrapassar cada situação a viver no futuro próximo pelo futebol português da forma mais positiva e global possível.

N O futebol de hoje, precisamos de formar jogadores e equipas capazes de reagir e tomar decisões rápidas nas mudanças de fase de jogo, quer a partir de uma defesa onde dominem a agressividade sobre a bola e uma constante solidariedade e entreajuda defensiva, quer de um ataque onde, cada vez mais, se apresenta como decisiva a movimentação dos jogadores sem bola em constantes desmarcações que abram as defesas e a velocidade de execução e eficácia dos passes e remates à baliza. Segundo conceitos naturalmente adaptados à morfologia dos jogadores portugueses, numa prática onde dominem a plena liberdade de serem criativos e até inovadores, mas sempre com enorme autodisciplina técnica e tática e tendo como base, uma estrutura organizativa e um saber, adquiridos por via de um aprender a jogar, jogando.

O futebol português tem absoluta necessidade de melhorar a velocidade de execução dos seus jogadores, mediante a oposição que encontrem, tal como a leitura correta das diferentes situações de jogo que permita constante antecipação e condicionamento do que fazem os adversários, reagindo quase sempre de forma mais rápida e eficaz. 

Precisamos de jogadores, em simultâneo, eficientes na sua disciplina tática defensiva e de desenvolvimento de contra-ataque e eficazes na forma como passam e rematam quando ao ataque.

O futebol português exige que os nossos jogadores e equipas imponham o seu modelo de jogo e não fiquem na expectativa daquilo que o adversário pode fazer. Temos de ser capazes de obrigar os adversários a jogarem fora do seu tempo! O ataque (contra-ataque) inicia-se a defender, tal como é preciso pensar na defesa quando ao ataque, (equilíbrio defensivo)!

Por um lado, precisamos de defender obrigando os adversários a atacar fora das posições habituais e em que são mais eficazes, pelo outro, temos de atacar do modo mais ofensivo (agressivo!) possível, fazendo a bola penetrar na defesa, com constantes desmarcações que criem novas linhas de passe (movimentação sem bola) e, quando na posse da bola, mudanças do lado da bola, que obriguem as defesas a abrir espaços para a penetração dos jogadores mais recuados.

Defender de forma agressiva e com constantes ajudas defensivas, pressionando sempre quem tem a bola e as linhas de passe, transforma a defesa em ataque!

O futebol português precisa de jogadores ambiciosos, mentalmente fortes, rápidos a tomar decisões e a deslocarem-se no terreno de jogo, bem como eficazes, autodisciplinados e solidários. Mais do que fórmulas/receitas de sucesso, o futebol português requer jogadores e treinadores com formas de pensar e intervir no jogo que lhes permitam fazer aquilo que se impõe em cada situação e sempre que necessário.

T EMOS de ter um futebol português onde, jogadores e treinadores, deixem de ficar à espera daquilo que os adversários possam fazer e sejam capazes de agir e procurar impor o seu modelo de jogo à portuguesa.

Insisto, atenção aos jovens jogadores! Urge criar climas de ensino e aprendizagem do jogo que os coloquem permanentemente sob a pressão de melhorarem as suas aptidões de forma continuada (ensino e treino exigentes e rigorosos, disciplinadores e formativos). Através de um continuado apelo ao esforço, ao rigor, à capacidade de persistir e resistir à frustração do erro, da fadiga e mesmo da dor!

Quatro horas por dia, seis dias da semana, vinte e quatro horas de treino semanal acompanhadas por uma competição onde a oposição seja um fator de progresso. Enquanto jovens jogadores, é especialmente importante a forma como se inicia o desenvolvimento da motivação (a mobilização da motivação para serem excelentes). A paixão pela prática desenvolve-se ao longo do tempo, não emerge repentinamente. E motivação intrínseca não significa inata! O que exige que devemos criar ao redor dos praticantes um ambiente multiplicador e potenciador de entusiasmo e gosto pelo que fazem!

O estado de grande mobilização da motivação intrínseca necessária, irá envolver os jovens praticantes nacionais nas tarefas a desenvolver, transformando o treino, (quanto possível!) em algo simultaneamente exigente e divertido. A motivação intrínseca é, de longe, a mais poderosa. O que não significa que, com muitos de nós, por vezes, o que verdadeiramente mobilizou a nossa motivação não tenha sido uma razão extrínseca.

Um retorno positivo sobre o desempenho potencia a motivação e a criatividade. Reconhecer, apoiar e incentivar, são meios decisivos de mobilização da motivação. O feedback de pais, professores, treinadores, etc., tem efeitos extremamente positivos na melhoria de competências e do desempenho em geral, mas acima de tudo nas crianças e jovens.

A motivação necessária é a interior, a intrínseca, o querer muito alcançar algo. E essa depende de um clima de aprovação e incentivo. É tudo uma questão do grau de esforço que queremos continuar a desenvolver para alcançarmos o mais alto nível de desempenho. E de estarmos dispostos a ir além da nossa zona de conforto! O treino não é agradável, exige uma constante tentativa de fazer coisas que ainda não conseguimos realizar muito bem e, consequentemente, falhamos muitas vezes.

Já aqui o referi, mas não me cansarei de o repetir. Acreditem! A excelência, sendo extremamente difícil de alcançar, está disponível para toda a gente! A questão decisiva é se somos capazes de a transformar num hábito! E, já agora, não esqueçam!

O Mundo está cheio de jovens, potenciais talentos, que ao longo das suas vidas mais não foram que adultos frustrados com o respetivo insucesso. Aliás, conheci (e conheço!) bastantes. Sem margem para muitas dúvidas, relativamente a quase todos eles, a responsabilidade de assim ter acontecido pertenceu aos pais, professores, treinadores, dirigentes desportivos e políticos que os rodearam, principalmente até aos 16 anos. Noutro meio ambiente, num enquadramento que os potenciasse como era necessário, muitos deles, teriam alcançado a excelência que prometiam.

E NTRETANTO, muitos outros andam por aí, à espera que os ajudemos. Razão mais do que suficiente para que os pais, os treinadores e os dirigentes do futebol juvenil em Portugal, ao pretenderem fazer a diferença para melhor, devam transmitir, a cada momento, a paixão que os mobiliza para ensinar e ajudar todos os jovens jogadores a melhorar de forma continuada as respetivas competências técnicas e comportamentais.

Mais concretamente no futebol de hoje, exige-se que os treinadores sejam capazes de preparar jovens criativos, habilitados para interpretarem o jogo de forma original e que não se deixem influenciar pelo medo de errar ou de ser criticados.

Os grandes jogadores de futebol a nível mundial fazem coisas que os outros dizem não ser possíveis, porque simplesmente percecionam a realidade de forma diferente. E isto ensina-se e treina-se! A ideia não é que sejam como nós, mas sim, que sejam capazes de percecionar a realidade que os rodeia fora do quadrado a que tantas as vezes os limitamos, proporcionando-lhes a possibilidade de serem muito mais inovadores e originais. 

T ERMINO reforçando que, para que tudo isto seja possível, impõe-se naturalmente uma mudança de paradigma, tanto no que respeita ao que significa jogar o futebol à portuguesa e tudo o que ele represente em termos técnicos, táticos, físicos, mentais, emocionais e espirituais dos jogadores, como aos respetivos comportamentos da generalidade dos dirigentes, treinadores, árbitros, agentes...

Para isso, precisamos ser ousados e inovadores, tal como libertarmo-nos de determinados lugares comuns que, por vezes, tanto nos limitam, assumindo que ninguém deve desresponsabilizar-se do que há para fazer. Chega de invocar as habituais limitações culturais, morfológicas, etc., urge potenciar tudo aquilo que sabemos constituírem os nossos pontos fortes e trabalharmos de forma esforçada para eliminarmos gradualmente aquilo que sempre nos limitou nos momentos competitivos decisivos a nível europeu e mundial. Podemos e devemos ombrear com os melhores, basta simplesmente que nos esforcemos de forma apaixonada e nos foquemos no facto incontornável que se exige: sermos capazes de impor um futebol à portuguesa que pensa em ataque quando defende e pensa em defesa quando ataca!