Foi bom para os dois
Ao 22.º jogo na Liga, Bruno Lage perdeu e sentiu, finalmente, o travo do fracasso. Alguma vez teria de ser, porque nem o melhor treinador do mundo ganha sempre, nem o pior perde sempre, mas doeu mais por ter esboroado excêntrico ambiente de euforia que a organização encarnada ergueu sobre um castelo de cartas e por ter acontecido diante do principal rival, em fase de reconstrução do plantel e acabadinho de sair de um período de fortes tensões internas.
Venceu quem foi mais competente e perdeu quem não teve andamento para acompanhar o ritmo que o oponente lhe impôs. Simples e óbvio, na medida em que face a desempenhos tão distantes em matéria de atitude, concentração, coragem ou criatividade não me parece subsistir margem para colocar em causa o que quer que seja em termos de merecimento portista.
Não foi a águia que facilitou, foi o dragão que a obrigou a facilitar, e se espanto haverá, pelo menos para mim, centra-se na autoridade com este se impôs, como se estivesse a jogar na sua casa, e na resignação com que aquela reconheceu a sua fraqueza, sem conseguir, sequer, dar um murro na mesa e tentar contrariar uma derrota que bem cedo começou a ser anunciada.
Este Benfica não estava mentalmente preparado para um Porto tão determinado e enérgico. Talvez atraiçoado pela doçura das goleadas, que terão tido um efeito perverso nas mentes menos estruturadas, e por uma máquina de marketing que não só foi aliada de Sérgio Conceição mas também colou sorrisos trocistas nos rostos dos adeptos portistas e deixou os benfiquista mudos e quedos, provavelmente embaraçados pelo despropósito do foguetório criado.
Agora, mais a frio, pode concluir-se que o resultado acabou por ser bom para os dois treinadores: a um permitiu-lhe libertar-se do laço com que, por insondáveis intenções ou simples estupidez, quiseram apertar-lhe o pescoço, como se fosse possível apagar da memória das pessoas o belo trabalho por ele executado, e ao outro dar de caras com a realidade cruel, enfrentar pela primeira vez a frustração da família benfiquista e avaliar quanto custa perder com quem perdeu no único palco onde segundo a lei da águia esse desaforo lhe deveria estar vedado.
Àterceira jornada, Sérgio Conceição exigiu a sua absolvição por apresentar na Luz um equipa física e psicologicamente motivada para arrostar todos os fantasmas.
Perder com o Gil Vicente, enfim, aceita-se: desconcentração, displicência, enfado, qualquer coisa do género. Perder com o Krasnodar, tal como se verificou, apenas adensa o fascínio que torna o futebol único, por não se enxergar uma explicação plausível.
Por outro lado, ganhar ao Setúbal, além de ter sido absolutamente normal, acendeu a luz que permitiu a Conceição reencontrar-se com a sua nova equipa, que havia descoberto no jogo da Rússia e que, devido aos tais mistérios que o futebol encerra, deixara cair na segunda mão.
As táticas são importantes, mas sem praticantes de qualidade não se conquistam títulos. Conceição, como grande jogador que foi e grande treinador que é, sabe isso melhor do que ninguém.
Além do mais, não basta receber e dar ordens. É preciso que os soldados acreditem no que ouvem e que o comandante mereça a confiança de quem o ouve. Se esta relação osmótica funcionar o êxito fica mais fácil de concretizar. Foi este o segredo que transformou o FC Porto soluçante e atrapalhado no FC Porto afirmativo e poderoso que deslumbrou na Luz.
ANTES perder à terceira jornada, a tempo de todas as retificações, do que demasiado tarde. É como nas doenças. Bruno Lage não é médico mas, como treinador, vai ter humildade (e inteligência) para assimilar depressa os ensinamentos que adquire com mais experiência.
Em referência à ronda anterior, nas palavras de Lage, só um grande Benfica foi capaz de ganhar ao Belenenses. Uma afirmação sem sentido e à qual, se calhar infelizmente para ele, não se deu relevo, porque, em rigor, devia ter dito que só um Benfica meio convencido/meio instável sentiu tantos problemas para ganhar a esse Belenenses. Que problemas? Na defesa, sobretudo no eixo central (Ferro claramente em baixo), no meio-campo (Florentino e Samaris, dois trabalhadores a quem falta método) e no ataque (De Tomas e Seferovic de eficácia igual a zero, ou quase).
De há muito esta interrogação estava (e está) guardada na curiosidade de imensa gente: como será depois da primeira derrota? Justifica-se a questão, mas calma, muita calma. Nada foi colocado em causa. Apesar da margem de tolerância ter encolhido, e muito, o caminho do futuro é este.
Desta vez, porém, Lage e os seus colaboradores fizeram mal os trabalhos de casa: prepararam-se para receber o Porto velho, primeiro erro, e não arranjaram soluções em tempo útil para desmontarem o Porto novo que os apanhou de surpresa, segundo erro.
Nota final - Este clássico, pela elevação que o caracterizou, dá-nos a esperança de Bruno Lage e Sérgio Conceição, se quiserem, poderem devolver o futebol aos que o amam sinceramente e veem nele um espetáculo de família, uma festa, um jogo onde há ganhar e perder, sem jamais violar os limites da razoabilidade.