Fim de época
Só a união de vários esforços tornou possível o regresso do campeonato, nas condições possíveis. E foram essas que permitiram que clubes e estruturas do futebol levassem, como sempre, a água ao seu moinho: houve campeão (justíssimo), o apuramento europeu ficou assegurado e as despromoções consumadas. Com ou sem público, com ou sem máscaras, com ou sem alma, a bola mexeu e o espetáculo continuou. Isso foi fundamental para a autoestima de um povo acossado. Foi determinante para a sobrevivência da indústria.
Olhando para trás, é fácil identificar os momentos que definiram os últimos meses. Como em tudo na vida, uns merecedores de aplauso, outros de repulsa. Das coisas boas, honra seja feita a jogadores, técnicos e restantes profissionais dos clubes, que continuaram as suas funções em condições adversas. Sacrificaram o habitual período de férias, sujeitaram-se a testes exaustivos e a realidades alternativas, prorrogaram contratos, acumularam riscos de lesão e cederam parte da sua vida familiar a um bem maior: o de dignificar a camisola quando a camisola mais precisou deles. Chapeau. Honra também à FPF, Liga Portugal, Governo e DGS por viabilizarem a retoma. O processo foi conturbado, teve avanços e recuos e muito vento contra, mas sejamos honestos, seria quase impossível agilizá-lo de forma diferente. Aqueles que optaram por parar em definitivo devem estar, por esta altura, de calculadora numa mão e antidepressivo na outra.
Das coisas menos boas - e dando de barato a já entediante guerrilha comunicacional, que agora só vê, lê e ouve quem tem curiosidade em perceber o disparate que se segue - destaque negativo para algumas condutas de quem tem responsabilidade no jogo e na sociedade. Refiro-me, concretamente, a alguns agentes de arbitragem, a vários dirigentes associativos, a políticos, juízes e, obviamente, a uma mão cheia de jornalistas e comentadores desportivos. A todos cabe o dever acrescido - deontológico ou, no mínimo, ético - de separar o pessoal do institucional. De não se exporem publicamente com tiradas medonhas, que sujam o bom-nome da função que ocupam, mostrando a todos nós a fibra de que (não) são feitos. Ver árbitros (no ativo), dirigentes associativos e membros de Conselhos de Arbitragem regionais a destilar veneno clubístico nas redes sociais não é apenas mau. É nojento e dá vergonha alheia. Por favor, não tirem os posts, não os justifiquem nem peçam desculpa: demitam-se! Demitam-se já!! O mesmo aplica-se à classe política e judicial, a autarcas, deputados, magistrados e afins. A exposição pública doentia e reiterada das vossas insanidades enquanto adeptos tira-vos credibilidade. Deixam de merecer o nosso respeito, o nosso voto e a nossa admiração. Passam a valer o mesmo que um adepto de taberna inebriado: zero.
Quanto a jornalistas e comentadores ditos neutrais, a dor é maior, porque conheço muitos dos bons, profissionais excecionais, pessoas fantásticas. Esses também acabam por ser confundidos com meia dúzia de marionetas sem classe, independência e caráter, que mais não são do que meras caixas de ressonância de alguém. Parolos mascarados de impolutos, escudados numa carreira que deviam honrar, mas que trocaram pela encarnação humana de papagaios, replicando, com histeria, os comandos do dono. Eles nem percebem a subserviência que destilam. Coitados.
A ver se continuam a existir tomadas de posição firme por parte de quem manda, para lhes cortar o pio e tirar a pena das mãos. Há sempre a hipótese de concorrerem a cargos onde possam idolatrar, de joelhos, o Deus que defendem a toda a hora. Seria mais digno para eles, melhor para a classe e fantástico para todos nós.