Falta um ‘herdeiro’ de João Rocha
O sujeito que adquiriu notoriedade no mundo do futebol por duas frases extraordinárias, «Paulo Bento forever», deixando-o cair depressa, e «João Moutinho é uma maçã podre», para justificar a sua bondade na transferência do jogador para o FC Porto, é o mesmo que armadilhou Sá Pinto em polémico conflito de balneário e se aproveitou de Carlos Carvalhal enquanto lhe deu jeito.
Foi há dez anos e ambos partiram à descoberta de novas oportunidades. Evoluíram, tornaram-se mais aptos e capazes com as experiências colhidas, com os mundos que descobriram e com os saberes e os conhecimentos que acumularam. Em contraposição, o Sporting estagnou e tem-se consumido nas suas próprias contradições e ambiguidades, sem descobrir uma alternativa de futuro, definir uma estratégia ou aprovar um programa austero de recuperação do tempo perdido em vez de prometer o que não há para dar.
O Carvalhal de hoje pouco tem a ver com o que trabalhou em Alvalade há uma década, porque estudou, evoluiu e aprendeu à custa dos pontapés que lhe foram dando, mas o Sporting, emblema a quem serviu, parece que entorpeceu. Caminha aos solavancos e continua órfão de um presidente da dimensão de João Rocha, o único que teve uma visão de futuro e a perceção arguta da política externa que deveria ser seguida e dos desafios que teriam de ser assumidos na salvaguarda dos superiores interesses da instituição do leão.
Por mais voltas que se dê, o Sporting precisa de um líder à imagem de João Rocha e de sair do marasmo em que caiu. O Sporting precisa encontrar um presidente que não se limite a contratar e despedir treinadores ou a negociar jogadores e a gerar comissões. Deve revelar sensibilidade para preservar a grandeza do clube e, em paralelo, fortalecer a influência que ele detém na sociedade.
Sendo o futebol o fator de referência mais esclarecedor, gastem-se uns segundos para olhar os números e reparar nas diferenças. Durante os mandatos de João Rocha o Sporting foi campeão nacional por três vezes (1974, 1980 e 1982). Quando ele abdicou, em outubro de 1986, por motivos de saúde, agravados pelas batalhas que teve de travar com o presidente portista no sentido de lhe bloquear o seu inusitado plano expansionista, o ranking dos campeonatos era este: Benfica, 26 títulos; Sporting, 16; FC Porto, 9. Eis o cerne da questão: Pinto da Costa contava pouco e hoje é o que se conhece…
O que João Rocha percebeu, e combateu, mais ninguém enxergou. Consequência? No momento presente, decorridos 32 anos, o mesmo ranking é o seguinte: Benfica, 37 títulos; FC Porto, 28; Sporting, 18. Ou seja, nas últimas três décadas, aos 19 títulos do dragão o leão respondeu apenas com dois (2000 e 2002), sem que alguém esteja interessado em analisar o problema. É mais conveniente compartimentar os ciclos eleitorais, como se não houvesse interligação entre passado, presente e futuro, atribuindo-se aos eleitos a tarefa de arrumarem o que encontrarem desarrumado, e às vezes nem isso, com a garantia, porém, de tão fraca empreitada lhes bastar para terem direito a foto na galeria dos presidentes.
Carlos Carvalhal sabia ao que ia na noite do último sábado. Confiou na sua competência e na qualidade dos seus jogadores. No resto, a sorte foi soberana. É verdade que mudaram as caras na casa do leão, mas ficaram os vícios de um candidato adiado.
Apontar o dedo acusador a Coates é reação esperada, mas a última que deve ser equacionada. Tal como reclamar-se a demissão do treinador ou outra qualquer medida avulsa que encherá de gozo a franja acéfala de adeptos (a que só serve para fazer barulho e agitar lenços), geralmente de braço dado com a oportunista (a que se aproveita da barafunda para pôr a cabeça de fora). Aliviar as dores sem primeiro tratar a doença é a solução mais rápida, mas também a mais contraindicada.
Nesta altura, o que faz falta ao Sporting é estabilidade, além de uma massa adepta compreensiva e, principalmente, de um presidente que diga para onde quer ir: se se sente com coragem para ser o herdeiro do legado de João Rocha ou se, como tem sido prática recente, ser apenas mais um é o objetivo da sua ambição.
Nota final - Em 1964, o Sporting conquistou a Taça dos Vencedores de Taças, depois absorvida pela Taça UEFA e Liga Europa. Surpreende-me que o único título europeu do leão seja sucessivamente ignorado pelos presidentes da era moderna e que os seus heróis, muitos deles vivos, felizmente, não sejam mostrados como símbolos do Sporting do futuro. Será que Varandas sabe? Se calhar não, ele só nasceu em 1979, mas o clube foi fundado em 1906…