Falar de futebol e do futebol

Falar de futebol e do futebol

OPINIÃO19.03.202305:30

Protagonistas como Sérgio Conceição têm possibilidade de nos ajudar a crescer culturalmente, mantendo a vontade de vencer

ESTA semana ficou marcada pela incrível passagem do Sporting aos quartos de final da Liga Europa. Muitos disseram que calhou a fava ao Sporting. No que diz respeito a esta eliminatória, a minha opinião foi que se devia olhar para o copo meio cheio e não meio vazio. Foi uma oportunidade para todos se valorizarem, com dois intervenientes acima de todos os outros: Rúben Amorim e Pedro Gonçalves.


RÚBEN AMORIM E COMPANHIA

N O final de jogo frente ao Arsenal, Rúben Amorim referiu que os jogadores estavam felizes pela vitória alcançada, mas mais ainda pela forma como o fizeram. Concordo a cem por cento. Na passada quinta-feira, André Pipa escreveu que o Sporting deveria ser «tudo em todo o lado ao mesmo tempo», fazendo o paralelismo entre o filme que ganhou sete estatuetas e o jogo que o Sporting teria de fazer. O André não podia estar mais correto. O Sporting foi tudo isto. Foi uma equipa corajosa, não tremeu, jogou com confiança, com alegria, com determinação. Estrategicamente estava bem preparada. Esteve focada, concentrada e equilibrada. Foi uma equipa agressiva nas disputas de bola. Teve inspiração e que inspiração! Foi unida, soube sofrer e mereceu vencer. Sem Coates em campo, demonstrou uma segurança e tranquilidade incríveis, sobretudo tendo em atenção que o jogador que comandou a defesa tem 19 anos e acabou de chegar (Diomande). Adán esteve presente nos momentos decisivos. St. Juste voltou a fazer uma exibição extraordinária. Começa agora a demonstrar o seu valor e a justificar o investimento concretizado. Esgaio, com mais jogos, começa a demonstrar a sua qualidade, algo em que muitos não acreditavam. Ugarte encheu o campo. Trincão e Edwards foram duas setas constantemente apontadas à baliza adversária, frente a um Arsenal que assumiu, muitas vezes, homem a homem no último setor defensivo. Depois há Pedro Gonçalves. Um jogador especial que está acima de todos os outros do Sporting. Foi coroado da melhor forma possível. Um golo incrível, que tinha de ser marcado num grande palco, numa grande competição e frente a um grande adversário. Pedro Gonçalves não está sempre ligado, muitas vezes desaparece do jogo, mas a verdade é que quando acorda faz a diferença. Uma grande noite do Sporting e do futebol português. Rúben Amorim ficou, definitivamente, apresentado em Inglaterra.


FALAR DO FUTEBOL

E STA semana ficou também marcada pelo regresso de Sérgio Conceição ao convívio com os jornalistas. Na Liga dos Campeões, competição com regras bem definidas, na qual não existe espaço para decisões avulsas e quem não cumpre com as suas obrigações é (bem) penalizado com multas e castigos pesados. No regresso às conferências de imprensa, Sérgio Conceição tocou em alguns temas interessantes. No pré-jogo abordou a questão de se falar muito do futebol e pouco de futebol. Percebo a expressão utilizada e até vou mais longe. Em Portugal, deveria falar-se muito do futebol, mas não da forma como o fazem. Damos demasiado protagonismo a quem não o merece. Com a evolução que este desporto tem vindo a ter, o discurso e o posicionamento dos agentes desportivos deveriam ser diferentes. Neste campo não há quem se diferencie. Todos os clubes (sobretudo os grandes), quando atravessam momentos delicados em termos desportivos, acabam por usar os estratagemas de outros tempos. Apontam baterias à arbitragem, falam dos rivais, utilizam agentes infiltrados para intoxicar a opinião pública com mensagens agressivas, tentando fomentar a paixão pelo seu clube, pelo ódio ao rival. Falar do futebol deveria ser algo positivo. Pensar na estratégia que faz mais sentido para podermos acompanhar a evolução dentro dos relvados, tentando encontrar uma forma de, em conjunto, podermos potenciar receitas de que todos iriam beneficiar. Criarmos uma imagem positiva das nossas competições, promover condições para que os estádios tenham mais adeptos, criar uma envolvência atrativa que tivesse reflexo em tudo: num espetáculo melhor (dentro e fora do relvado) e com capacidade para trazer mais patrocinadores (internos e externos) e investidores. No entanto, estas conversas do futebol não interessam a muitos dos que têm cargos de liderança no futebol português, simplesmente porque percebem que se caminhássemos neste sentido, iriam perder espaço, protagonismo e outras regalias que tanto gostam. Neste campo, lanço um apelo àqueles que já estiveram dentro dos relvados e que têm capacidade para fazer a diferença - Rui Costa, Pedro Proença entre outros: façam diferente, ajudem a mudar formas de estar, não se agarrem a estratégias do passado, trabalhem em equipa, não tomem decisões com base em visões de bruxas (os), assumam as responsabilidades, deem o exemplo fora das quatro linhas e ajudem a fazer fora dos relvados aquilo que conseguiram fazer dentro dos mesmos. Termino este tema com uma declaração de Aleksander Ceferin, presidente da UEFA, que nos deve fazer pensar: «Conheci menos criminosos em 25 anos de direito penal do que em dois anos de futebol».


SÉRGIO E A VALORIZAÇÃO

N O final do jogo com o Inter, Sérgio Conceição tocou num ponto sensível. Justificou a ausência das conferências de imprensa com o facto de o seu trabalho não ser valorizado por aqueles que falam de futebol. Não posso estar mais em desacordo com o treinador do FC Porto. Parece-me unânime realçar o excelente trabalho desenvolvido por SC ao longo destes cinco anos e meio. Tem conseguido encontrar soluções para suplantar as saídas (a custo zero ou por transferência) de jogadores importantes. Tem perdido qualidade individual mas mantém uma competitividade e equilíbrio coletivos que fazem com que o FC Porto consiga manter-se nas decisões das provas em que participa. Altera dinâmicas coletivas, adapta-se às circunstâncias e aos jogadores à disposição. Potencia e desenvolve o talento individual, apostando em jovens jogadores, exigindo sempre responsabilidade e atitude. Tenho-o dito publicamente e volto a reforçar: Sérgio Conceição é o responsável pelo sucesso desportivo do FC Porto, pela saída do clube do problema do fair play financeiro e ainda por distribuir prémios por quem não está a fazer um bom trabalho (administração). Se tudo o que acabei de enumerar são factos reais e palpáveis, a quem se estaria a referir Sérgio Conceição? Quem é que não o valoriza? Parece-me que esta mensagem do treinador do FC Porto foi para alguém dentro do clube, ou seja, foi uma mensagem para muitos que o criticam internamente e que não percebem ou valorizam a real dimensão do trabalho que desenvolveu nos últimos cinco anos. Apesar de todos estes elogios ao trabalho de Sérgio Conceição, não posso deixar de referir que há coisas que deveria melhorar. Como exemplo que é, sobretudo para os mais jovens, deveria controlar mais os seus ímpetos em algumas circunstâncias do jogo, não ser tantas vezes expulso, conseguir responder às perguntas dos jornalistas, quando perde, da mesma forma que o faz quando ganha. Todos querem ganhar e ninguém gosta de perder. Saber gerir e lidar com a adversidade é fundamental. Num futebol português cada vez mais agressivo, os protagonistas como Sérgio Conceição têm a possibilidade de nos ajudar a crescer culturalmente, mantendo a mesma vontade de vencer, a mesma garra e a mesma exigência, mas contribuindo para que o ambiente do futebol em Portugal evolua no sentido positivo.


SORTEIO - CAMINHOS DIFERENTES 

O sorteio da Liga dos Campeões foi positivo para o Benfica, simplesmente porque evitou (nos quartos e no emparelhamento para as meias-finais) os três grandes favoritos: Real Madrid, Man. City e Bayern. Todos sabemos que não há jogos fáceis e que para bater o Inter, o Benfica terá de manter a mesma seriedade, concentração, foco e ADN que vem demonstrando. Já o Sporting, depois de vencer o Arsenal, voltou a ter em sorte um adversário (e respetivo emparelhamento para a meia-final) difícil. Nada que assuste a equipa leonina, até porque nesta época é nos grandes jogos que temos visto o melhor Sporting. A única certeza é que iremos ver quatro bons jogos de futebol e mais uma oportunidade para podermos somar pontos para o ranking, de forma a poder recuperar o 5.º lugar (agora pertencente aos Países Baixos) que nos garante a presença de três equipas na Liga dos Campeões na época 2024/2025.


A VALORIZAR

Pedro Gonçalves
Um golo que está ao alcance de poucos, num grande palco e num momento decisivo do jogo.

Rúben Amorim
Conseguiu superiorizar o Sporting relativamente ao Arsenal. Crença, união, confiança e estratégia bem delineada foram a chave para a superioridade leonina.


A DESVALORIZAR

Otávio
Otávio é jogador da nossa Seleção com todo o mérito. Em pleno Século XXI os jogadores deveriam ter a capacidade de pensar pela própria cabeça e não debitarem mensagens que lhes passam. Para um jogador internacional, não faz sentido querer recuperar o tema Porto contra Lisboa, até porque nos dias de hoje os clubes são globais e não regionais.